Estado Brasileiro: “Robin Hood” às avessas

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Robin Hood é um herói mítico inglês, um fora-da-lei que roubava da nobreza e dava aos pobres. Teria vivido no século XII, aos tempos do Rei Ricardo Coração de Leão, e das grandes Cruzadas. Conforme a descrição do texto, pode-se fazer analogia com relação ao papel ou atuação do Estado no Brasil em relação aos brasileiros, sobretudo aos mais pobres.

Quando se discute o Estado brasileiro, quase sempre a questão de seu tamanho monopoliza o debate. A velha retórica continua: “Estado no Brasil ainda é muito grande; uma volumosa máquina, que por seu tamanho torna-se inoperante”. Esse é um mantra repetido intermitentemente pelos neoliberais.

As inúmeras propostas de reforma do Estado (que aparecem com bastante evidência em ano eleitoral) deveriam tirar o seu foco de suas dimensões, e mirar na questão da concentração de renda no país; cenário desigual que é mantido e até estimulado por esse Estado, em seus diversos níveis.

Apesar do Estado brasileiro hoje ser menor, por exemplo, do que há 20 anos (especialmente quando iniciou no país uma ampla política de privatizações), ele tem as dimensões de Estados de diversas nações ditas desenvolvidas. Sobre esse comparativo, o economista Marcos Pinto analisou a questão. Segundo o citado, no Brasil o cidadão paga em média impostos e tributos que chegam a 33% Produto Interno Bruto (PIB) do país. Esse percentual que parece ser algo exagerado, em comparação com os países que compõe a OCDE (grupo que reúne as nações mais desenvolvidas do mundo) é inferior, pois em média nos países do grupo, a taxação de impostos e tributos chegam aos 40%.

O que é gritante é o nível de desigualdade social em nosso país. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil ocupa o décimo lugar no ranking que mede a diferença de renda entre ricos e pobres. Na comparação interna, a renda dos 5% mais ricos é a mesma do restante de toda a população, e estamos analisando uma nação com pouco mais de 210 milhões de habitantes. Segundo dados da ONU, os seis brasileiros mais ricos do país, juntos possuem a mesma renda dos 100 milhões mais pobres.

O vergonhoso cenário social do país é mantido pelo Estado. Os governos, sobretudo, os do PT (oito anos de Lula e seis de Dilma) implementaram um dos maiores programas de transferência de renda do mundo (Bolsa Família é estudado pela ONU e já deverá ser implementado em diversos países, entre eles a Itália), o que foi inegavelmente um grande avanço. Porém, o Estado concede com uma mão e tira com outra. Ou seja, os recursos transferidos aos mais pobres através de programas, são impactados com altos impostos e tributos.

Não precisa ser economista ou tributarista para entender como funciona o sistema tributário brasileiro. Sua lógica de funcionamento é perversa, pois é regressiva. Na prática, quem tem mais paga menos. Segundo dados levantados por Pinto, os 10% mais pobres gastam cerca de 30% de sua renda com tributos; enquanto os 10% mais ricos gastam 21%. Só esse dado específico já explica muitas distorções sociais. O que provoca isso diretamente em modo geral é a tributação do consumo. Na prática, os mais pobres gastam o que ganham com produtos básicos, dentre eles transporte e alimentação, dois grupos que estão embutidos impostos elevados. Já os mais ricos, conseguem poupar grande parte de seus rendimentos, portanto, a tributação sobre o consumo para as classes mais elevadas socialmente, representa menos.

O combate à desigualdade social deveria ter como base o sistema tributário do país. A exemplo da maioria dos países ao redor do mundo, a tributação deveria incidir sobre a renda e o patrimônio, o que é tributariamente mais justo. O que no Brasil não ocorre. No tocante ao imposto de renda, por exemplo, os mais pobres não pagam; mas os mais ricos pagam proporcionalmente menos do que a classe média. No caso de tributação sobre herança, no Brasil o teto de cobrança é de 8%, diferente, por exemplo, dos Estados Unidos que chega a 40%. Mais um exemplo do volume baixo de impostos que os ricos pagam em comparação aos mais abastados de outros países.

Uma modalidade de transferência de recursos por parte do Estado aos mais ricos é a política de subsídios. Essa modalidade bateu todos os recordes em 2015, quando o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) transferiu indiretamente (através de uma ampla renúncia fiscal que chegou a 4% do PIB do referido ano para diversos setores empresariais do país, segundo o Banco Mundial). O que foi repassado aos empresários em um ano, correspondeu a oito anos de orçamento do Bolsa Família. Em montante atual, chega aos impressionantes 300 bilhões de renúncia fiscal.

Outra ação estatal, segundo Marcos Pinto é o montante da dívida pública do país. Seus valores chegam anualmente a 4% do PIB. A desigualdade favoravelmente aos mais ricos está justamente em quem é o credor de tal dívida: justamente as camadas mais ricas. Portanto, outro exemplo de como o Estado brasileiro é um “Robin Hood” ao inverso.

No debate político, sobretudo, no período eleitoral, o tamanho do Estado monopoliza a questão reformista que muitos candidatos; em especial os que estão à Direita dentro do expecto político, propagam como um mantra. Outro ponto é a famosa “reforma fiscal” que tem como “pano de fundo” novamente reduzir as dimensões do Estado; porém ambas narrativas excluem o principal: a concentração de renda. Ou seja, tornar a máquina estatal mais justa, cobrando de quem pode pagar mais e diminuindo a tributação aos que ganham menos, como é padrão nos quatro cantos do planeta, com poucas exceções.

Não há mágica. Para amenizar essas distorções e consequentemente as desigualdades, se faz necessário a diminuição dos impostos que incidem diretamente sobre o consumo. Isso ocasionaria diretamente uma queda substancial na arrecadação do governo. Mas para evitar esse “rombo” nas contas públicas, bastaria elevar a tributação sobre a renda e o patrimônio dos mais ricos; sem que houvesse a possibilidade da elevação carga tributária. Portanto, não há mágica. Basta enfrentar o problema de frente, especialmente no Congresso Nacional.

Na linha contínua de combate à desigualdade, o economista Marcos Pinto defende a criação de mais uma faixa de alíquota do imposto de renda (na casa dos 35%), o que atingiria os mais ricos; além de dobrar o valor de taxação sobre as grandes fortunas no país (hoje no teto dos 8%, quatro vezes menor do que a média praticada nos países desenvolvidos).

Reduzir as desigualdades não ocorrerá simplesmente pela redução dos gastos estatais. Se faz necessário redirecionar o perfil de investimento do governo (independente de grupo de poder ou partido político). Discutir verdadeiramente não só tamanho do Estado, mas o seu verdadeiro papel é que deveria tomar a dianteira da pauta político-eleitoral do país.

Todos esses exemplos são retóricas práticas do fomento por parte do Estado na própria desigualdade social que impera no Brasil. Uma máquina esquizofrênica que “dá e tira” aos mais pobres quase na mesma proporção, como da mesma forma cobra pouco de quem pode pagar. Como afirma Marcos Pinto: “Nenhuma agenda de reformas estará completa enquanto injustiças persistirem”. Qual candidatura presidencial consegue – mesmo que seja progressivamente – inverter essa lógica de atuação perversa do Estado brasileiro sobre os mais pobres?

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