Abrindo a rodada de entrevistas de 2023, o Blog do Branco fez convite ao doutor Ribamar Braun, professor e cientista político. Para ele, a democracia apesar do grande abalo sofrido no último dia 08, sobreviverá, mesmo com o avanço da extrema-direita no mundo. Afirmou que, apesar da derrota eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o bolsonarismo continuará com menos forças e através de novos atores. Analisou sobre o terceiro governo Lula, o futuro do governador Helder Barbalho (MDB) e a disputa pela Prefeitura de Belém, em 2024.
1 – (Blog): Professor, o que vimos nos últimos anos foi um grande avanço da extrema-direita no mundo, sendo que no Brasil ela se apresentou através do Bolsonarismo. O que explica essa ascensão? A democracia, de fato, está em risco?
R: De fato, nós passamos por uma crise democrática nesses últimos meses. Desde o período das eleições até a posse e a instabilidade que culminou nos ataques aos Três Poderes no 08 de janeiro é, na verdade, um ciclo da extrema-direita que se apresenta no mundo, nos Estados Unidos, através, por exemplo, do governo Trump, não é? Em vários governos e posicionamentos políticos na Europa. Da extrema direita, principalmente relativo ao fato de que eles sofrem pressão da entrada dos imigrantes motivados por uma xenofobia; aqui no Brasil nós vivemos um ciclo de barbárie que segundo o Walter Benjamin está muito ligado ao ignorar a verdade, e a viver um mundo partindo de um ciclo de não verdades e também de negação da Justiça. A partir de um momento que eu crio e naturalizo um mundo de mentiras partindo da crença em uma verdade não objetiva, está muito ligado ao movimento bolsonarista no Brasil.
Eles criam fakes e passam a acreditar nas próprias fakes que eles criam. E esses pequenos ciclos vão naturalizando o discurso e o poder do coletivo ganha força e isso torna efetivo atos que, na verdade, não são representativos de uma maioria, né? E isso faz com que, de fato, a nossa democracia resista, pois as instituições elas são muito mais sólidas, muito mais organizadas do que o princípio dessa sociedade organizada a partir da farsa ou da não verdade. Então, a nossa resistência inicial ela se dá por conta desse movimento. De fato, a liderança política ou se nós vivêssemos a tomada do enfrentamento do poder do seu líder. Ou se o Jair Bolsonaro chegasse a vencer as eleições a gente teria legitimação dessa conduta da extrema-direita baseada na não verdade e na contundência dos fatos. Por isso, que esse movimento não é só no Brasil, como no mundo. Nós vimos aí a tomada uma tentativa de tomada no Capitólio, na maior representação democrática do mundo ocidental que é os Estados Unidos da América, isso prova a força que esses movimentos têm de tentar ou testar as democracias e as instituições, mas, ao mesmo tempo, a fortaleza que essas instituições têm mesmo não tão velhas, a nossa democracia foi testada muitas vezes no Brasil com ditaduras como a de Vargas e a militar de 1964, a gente tem um amadurecimento e uma conscientização de uma maioria que faz com que ela resista.
2 – (Blog): Sem Bolsonaro, o Bolsonarismo continuará a existir? Se sim, de que forma? Quem herdará o capital político do ex-presidente?
R: Eu acredito que sem o Bolsonaro, com a impossibilidade de seu retorno, seu capital político será herdado por um dos seus filhos ou de um indicado por eles. De fato, não desaparecerá, mas ele foi enfraquecido. Esses movimentos como não tiveram êxito e as próprias ações contra as instituições, enfraqueceram esse debate e esse discurso. Houve durante o processo eleitoral as motivações bipartite que levaram de forma contundente a essa polarização no Brasil e ela se enfraqueceu. Eu acredito que a derrota política foi a de revelar condutas políticas insatisfatórias. Os dados do IBGE ainda vão sair revelando também as crises econômicas, a falta de ascensão econômica, comercial que o Brasil não teve, a instabilidade do governo faltando com políticas públicas básicas, como, por exemplo, investimento em ciência, com auxílio aos mais pobres, com a falta de infraestrutura. E, também, devido ações paliativas durante o período da Covid-19. Isso, de fato, vai enfraquecer o bolsonarismo ao ponto de que ele não desaparecerá porque as marcas e as cicatrizes desse movimento no Brasil não são de hoje.
Na verdade, a conjuntura bolsonarista levou muitos que já vislumbravam esse esse pensamento de extrema-direita no Brasil, só encontraram uma ideologia que combinava com ou sua forma de pensar, e ela não vai deixar de existir, mas ela vai perder força política. Eu acredito que a possibilidade da extrema direita chegar ao poder no Brasil se tornou cada vez menor, mas os princípios ideológicos bolsonaristas eles sempre existiram no Brasil desde o período colonial… Mostrar a sua face em 1937 durante o Estado Novo, né? Se fortaleceram novamente durante a ditadura militar a partir do golpe de 1964, e voltaram de novo com muita contundência durante o governo do Jair Bolsonaro. Eu acredito que esse ciclo de tentativas de governos de direita tomar posse das estruturas institucionais no Brasil, foi, de fato, foi enfraquecido.
3 – (Blog) O Brasil vive um processo de reconstrução em diversos segmentos. Sob o ponto de vista da institucionalidade, tão deteriorada nos últimos anos, o que se pode esperar?
R: Bom eu acredito que a institucionalidade brasileira sai fortalecida porque, de fato, esses atos eles tendem a criar uma casca mais grossa, um amadurecimento político democrático das nossas instituições quando a gente trabalha a perspectiva Iluminista de República, isso no século 18, que era baseado na secção de uma institucionalidade, de um Estado moderno e Absolutista, para dar início a um modelo de Estado liberal se constitui um debate sobre institucionalidade muito claro, muito óbvio, sobre o Estado, e quem o mantém, que é o povo. Que esse modelo de cidadania constituído a partir desse modelo de Estado liberal baseado em uma divisão de poderes. O próprio Rousseau estabeleceu critérios, onde a instituição é a base que mantém o Estado e que pode dar condições de que esse Estado possa proporcionar políticas públicas, harmonia, ordem, estabilidade social para os seus cidadãos.
O resultado disso, geralmente, é o fortalecimento. Então fomos testados. Houve o cerceamento das ações de algumas dessas instituições por conta da influência que o poder Executivo tem no Brasil. Essa experiência que nós temos de um Executivo com Poderes, além do Legislativo e do Judiciário, por exemplo, através de medidas provisórias, como dizia Raimundo Fahoro: “esse poder Moderador se mantém no Brasil, essa influência monárquica imperialista que o Brasil teve no século 19, se mantém nesse modelo presidencialista no Brasil ainda, isso é ruim. Pois ele dá direito aos presidentes também de fazer escolhas em listas tríplices, influenciar escolhas no Supremo [Supremo Tribunal Federal], influenciar escolhas também em cargos de Estado que não são cargos de governo. Eu acho que nós precisamos de uma reforma institucional para garantir mais equilíbrio entre os Poderes, além de perdermos um pouco mais dessa cultura patriarcal.
4 – (Blog) Quais são as suas expectativas em relação ao terceiro governo Lula? Em que, sob o ponto de vista analítico, ele poderá ser diferente dos anteriores?
R: Bom, eu acredito que esse terceiro mandato do governo do Luiz Inácio Lula da Silva seja dos governos que ele já teve, sem sombra de dúvidas, um dos com maior legitimidade, pois é a contundência como as eleições transcorreram, elas vão garantir a esse governo um apoio muito maior do que nos governos anteriores. A conjuntura econômica do mundo não é favorável, vivemos instabilidades. O volume de capital não é nas bolsas de valores o mesmo fluxo de capital. Esse modelo de globalização da economia gera instabilidade por si só, não dá para termos muitas garantias em relação à investimentos, retornos e estabilidade comercial. A competitividade no mundo é maior. O governo vai precisar apresentar uma maturidade maior em relação ao mercado financeiro, em relação à competitividade industrial, produtiva, tecnológica, mas eu acredito que o caminho é o de agregar valores. Intelectuais no governo vai ajudar muito, eu acredito numa maturidade, na experiência política do Lula em relação às relações exteriores do Brasil, mas acima de tudo, nós vamos precisar de uma força maior na união produtiva, se nós tivermos no governo uma oposição empresarial daquelas que ainda guardam ressentimento ou que tiveram apoios extremos da Direita no Brasil, isso pode gerar uma instabilidade, boicote. A força do empresariado brasileiro, do agronegócio, é muito grande. E eu acho que a relação e o diálogo com esses grupos vai ser muito importante para que a gente tenha, de fato, um governo que possa reestruturar o Brasil para que num futuro próximo a gente volte a ter estabilidade política, econômica e social. Eu penso que esse seja o caminho. Nós precisamos e o governo já apresenta aí nos primeiros dias de de mandato essa abertura, uma tentativa de fortalecer o governo, a imagem do Brasil. A gente vê o apoio internacional muito grande. A própria aliança no Mercosul, a aliança latino-americana em prol do governo brasileiro e vindo o Brasil como protagonista nesse processo é muito importante esse apoio, e eu acredito que vai gerar sim uma mudança na perspectiva do desenvolvimento econômico, não só do Brasil, mas de toda a América Latina.
5 – Se fala muito do sistema político brasileiro, em especial, o modelo presidencialista de coalizão que, na prática, torna refém o chefe do Executivo. Como mudar isso? A saída seria o parlamentarismo?
R: De fato, o Brasil precisa de uma reforma política. Nesse sentido, esse nosso modelo de Executivo de governo de coalizão depende dessa contabilidade, de um apoio maior do Legislativo para execução das suas políticas públicas. Eu gosto muito da leitura de um artigo do Antônio Point Ciarelli, no site Politzy, que fica como indicação de leitura, onde ele fala sobre o parlamentarismo e o presidencialismo, em que o parlamento acaba, na verdade, dentro da representatividade que ele tem na institucionalidade política, o torna muito próximo do presidencialismo. Eu acredito que não seja essa a saída, por exemplo, de tornar o regime parlamentarista. Eu acho que não vai mudar essa relação entre os poderes, e não vai mudar também a Contability de governo. Então, esse governo de coalizão é, um fato, nesse modelo de República presidencialista no mundo. Porque nós podemos na verdade buscar alternativas, principalmente em relação ao Tribunal de Contas da União (TCU), que seria justamente a equilibrar as políticas públicas entre o Legislativo e o Executivo, levando em consideração esse desenvolvimento igual e combinado que as regiões devem ter, pois o que mais afeta esse processo de desenvolvimento regional no Brasil é o fato de que as regiões mais populosas, são as que mais representatividade política em números na Câmara Federal, acabando por influenciar muito a forma de governar, e os investimentos acabam se concentrando nessas regiões com maior população, afetando o desenvolvimento regional de regiões com menor densidade demográfica, mas que são grandes áreas, e que também necessitam de mais investimentos em tecnologia, infraestrutura e estabilidade social. Eu acho que é esse o caminho, o de criar mais equilíbrio entre as contas públicas e a distribuição, daí dar-se mais importância aos ministérios, como o de Integração, Desenvolvimento Regional, aliados na verdade, com grupos de trabalho do Legislativo, principalmente no Senado Federal, onde nós temos um equilíbrio nessa representatividade, com três representantes por estado. Para que as políticas públicas ocorram com mais equidade, eu acho que precisa fortalecer o Senado nesse governo de coalizão, estabelecendo critérios mais equitativos em relação à distribuição de recursos e investimentos.
6 – (Blog) No plano estadual, Helder Barbalho (MDB) se reelegeu com 70% dos votos válidos, proporcionalmente, o governador mais votado do país. Como o senhor enxerga o segundo mandato do citado?
R: Bom, de fato, a representação do governo do Estado hoje na federação se tornou algo muito marcante, não só pelos mais de 70% dos votos que o governador Helder Barbalho alcançou, mas também pelo fato da representatividade dele em relação à nação, cresceu muito. Não só como um representante amazônico, da própria região Norte, mas também o poder e influência política do mesmo. Eu acredito que esse segundo mandato seja de consolidação, pois a gente sabe que ele [Helder Barbalho] almeja passos maiores dentro da política, então nós temos aí a possibilidade de um caminho para o Senado, em ministérios, e isso faz com que a necessidade de um bom governo de Estado representativamente forte e também de apelo popular é uma marca que eu acho que vai se manter. Então eu acredito que esse segundo governo seja um governo que mantenha o padrão de investimentos e de acompanhamento das necessidades o estado do Pará que, por ser muito grande, precisa de muitas políticas públicas nos seus extremos. Nós ainda temos muita carência de investimentos em regiões como o Marajó, no extremo Sul do Pará… São regiões que precisam, de fato, de políticas públicas mais efetivas, nós temos grandes áreas indígenas, áreas de Resex, temos políticas específicas para os povos originários e, inclusive, políticas na perspectiva ambiental, onde o Pará se torna uma referência. Então, acredito que o governador Helder Barbalho para esse segundo mandato vá buscar mais fortalecimento. Nesses cenários que tem contundência nacional e global, para fortalecer o nome do atual governador num possível caminho futuro em ministério, no Senado, ou quem sabe na articulação política presidencial.
7 – (Blog) Ao terminar um processo eleitoral, se desarma o palanque e logo em seguida se monta outro. Como o senhor avalia a disputa pela Prefeitura de Belém, em 2024?
R: A questão sobre a prefeitura [Belém] em 2024, é uma incógnita. Assim vem ocorrendo muitas críticas ao governo Edmílson de forma pontual, o que já era esperado. No estado do Pará vem tendo uma crescente do movimento de Direita. E a as críticas aos governos de Esquerda são sempre presentes. Houve muita instabilidade na Região Metropolitana de Belém (RMB) em relação a essa polaridade política, mas a prefeitura em 2024 deverá ter uma disputa muito acirrada. Na reeleição de Edmilson Rodrigues, temos forças políticas diversas, como o PSDB com Manoel Pioneiro, Simão Jatene… Temos paralelo ao governo Edmílson; arranjos políticos ligados aos representantes políticos do governador Helder Barbalho, que eu eu vou pontuar aí como uma terceira frente. Lembrando que o Edmilson vai ter o apoio do presidente, lembrando que há uma relação que pode formar uma coalizão política entre o governo e a prefeitura, mas também pode surgir novos nomes né, que inclui, por exemplo, o prefeito de Ananindeua, que também tem uma força política muito grande. Há toda uma relação política aliada, o seu nome [Daniel Santos], a sua esposa [Alessandra Haber] como representantes, né? Que também podem se enquadrar dentro desse modelo político como o presidente da Assembleia Legislativa, o Chicão. Então eu vejo essa próxima eleição de 2024 como uma das mais diversas e mais disputadas que teremos, pois há grandes nomes, além do fortalecimento de novos nomes.