Em um país cujas prioridades frequentemente são invertidas, não seria mesmo de se esperar que a cultura fosse tida como prioridade. E é nesse “novo” contexto que a Cultura vem sendo frequentemente alvo de ataques de grupos intolerantes, que não percebem o papel que a cultura (e as diversas linguagens que abriga) exerce no seio da sociedade de resgate social e construção de identidade.
O novo governo federal demonstrou seu desprezo à cultura, rebaixando-o do status de Ministério para Secretaria Especial (na contramão do mundo moderno) e associando o principal instrumento de democratização do acesso aos recursos culturais do país, a Lei Rouanet à corrupção e à improbidade.
A Lei Rouanet é uma lei de incentivo a produção cultural que representa apenas 0,03% de tudo que o Brasil aplica em incentivos de renúncia fiscal e mesmo assim, foi um dos carros-chefes acusatórios na campanha do então candidato, hoje Presidente, Bolsonaro. O fato é que a Cultura sempre foi a pasta que menos problemas de corrupção se ouviu falar em QUALQUER governo. Teve problemas? Teve. Mas as auditorias realizadas pelo Governo Temer mostraram que nunca houve um esquema de corrupção generalizado no Ministério de Cultura. Um ou outro beneficiário da lei Rouanet acabou fazendo mau uso da verba, mas foram casos isolados. No geral, a Lei Rouanet, em 2017, injetou 400 milhões de reais, com retorno de 1,3 bilhão na economia (dados do MINC).
Em um país que precisa muito gerar oportunidades, emprego e renda, transformar a cultura em vilã é um tiro no pé. O Banco Mundial estima que a cultura é responsável por 7% do PIB mundial. No Brasil, a cultura responde por 4% do PIB (2018), o que correspondeu a 272 bilhões de reais injetados na economia do país.
Essa introdução foi para situar o leitor na situação atual do segmento no país. Hoje o Blog publica entrevista com o novo Secretário de Cultura do município, Saulo Ramos.
Saulo assume a pasta, que já vem degastada por anos de descaso, com o enorme desafio de promover políticas públicas de cultura em um município novo, cuja própria identidade cultural ainda está em formação. Parauapebas tem um intenso e rico movimento cultural popular. O segmento folclórico junino, por exemplo, é um dos mais organizados e fortes do Estado, com grande apelo junto à comunidade, especialmente entre os jovens.
Na área da música, dezenas de pessoas buscam viver de sua arte em nosso município e a Escola de Música Waldemar Henrique foi uma das grandes conquistas do segmento nos últimos anos. Inclusive nas linguagens artísticas consideradas mais tecnológicas, notadamente o audiovisual. A cidade tem destaque, com grandes nomes da fotografia, como Felipe Borges e Anderson Souza, com trabalhos reconhecidos nacionalmente. No cinema, Parauapebas já teve um dos festivais mais importantes da região Norte, o Curta-Carajás. O FEMPA também foi referência em festivais de música em nossa região.
O governo municipal, aparentemente visando dar uma guinada em sua gestão, que há dois anos tenta “decolar” e só “patina”, resolveu despolitizar suas ações e chamar quem entende do assunto.
A verdade seja dita, jamais um prefeito fez tanto pela cultura quanto Darci Lermen. Darci criou a Secretaria Municipal de Cultura, criou o Fundo Municipal de Cultura e o Conselho Municipal de Cultura. Foi também sob seu governo que o FEMPA surgiu, bem como o apoio ao festival de cinema. O problema é que essas foram todas realizações de seus outros mandatos. Neste seu terceiro mandato, Darci foi apenas “mais do mesmo” nesta área.
Durante a gestão do ex-prefeito Valmir Mariano, a Cultura chegou ao fundo do poço. Jogada de um lado para o outro, em prédios condenados que outras secretarias não queriam, com móveis que outras descartavam. Usando a Secretaria como moeda de troca com a Câmara, a pasta chegou à incrível marca de SETE secretários durante o mandato (Chico Brito, Fernando Veras, Joselia Matos, Rose Valente, Neuraci Braga, Valdira Gonçalves e Marcelo da Costa). Valmir interrompeu o FEMPA, o festival de cinema e os projetos de cultura popular nos bairros, limitando-se tão somente a manter as ações “de calendário”. Chegou inclusive a pedir à VALE que não construísse o Centro Cultural de Parauapebas (obrigação da mineradora, definida em ação judicial) e que fizesse, em seu lugar um Centro de Convenções. Um absoluto descompromisso com o segmento.
Com tudo isso, era natural que a comunidade depositasse muitas esperanças no novo mandato de Darci, que sempre foi parceiro do segmento. Mas até agora, Darci tem se limitado a cumprir o básico. Por isso, a nomeação de alguém com a experiência de Saulo para a pasta, traz grandes expectativas para o setor. O novo secretário tem 35 anos, paraense, natural de Rondon do Pará. É formado em “Publicidade e Propaganda” e em “Pedagogia”. Há dez anos mora em Parauapebas onde atuou como diretor na rádio Arara Azul FM. Conquistou destaque profissional na produção de grandes eventos como a Feira de Agronegócios de Parauapebas – FAP, que foi totalmente repaginada após a sua atuação. Nos últimos anos vinha atuando como Diretor de Marketing do Grupo Correio de Comunicação.
1) Um dos maiores anseios dos fazedores de cultura locais é a respeito dos editais de cultura. O que você tem a dizer sobre isso? Eles saem esse ano? Em que formato?
SR – Primeiramente, obrigado pelo espaço, eu acho que esse diálogo com a comunidade através da imprensa é de fundamental importância para a gente extrair e dialogar, no meu caso com os produtores culturais. Quando cheguei aqui na secretaria uma das primeiras coisas que eu fiz foi reunir com todos os segmentos, que acho ser necessário para que a gente possa entender os anseios dos segmentos culturais. Porque estando dentro do gabinete é muito fácil a gente tomar decisões que achamos serem corretas. Mas eu acho que o produtor cultural que está ali na rua, que está com a quadrilha dançando nas esquinas, o artesão que não tem aonde fazer, etc. É eles que sabem esses problemas. E esse contato é muito bacana para a gente fazer o projeto da secretaria. E uma das prioridades são os editais que estão em fase de conclusão, e acredito que no mais tardar no final de abril eles sejam lançados. Para isso teremos um passo-a-passo. Mês de abril é um mês de capacitação, e nós temos alguns projetos que iremos colocar em prática a partir de maio, e para isso vamos fazer de 15 a 20 dias várias oficinas e cursos. E um deles é de capacitação para elaboração de projetos, de captação de recursos, etc; porque há de estar no “gatilho” é a Lei Cultural Municipal, lei que iremos mandar para a Câmara de Vereadores, que é uma espécie de Rouanet municipal, e a gente pretende fazer isso o mais rápido possível. Precisamos capacitar os nossos produtos culturais para captar recursos aqui e fora. Os editais serão no formato já usado, a Secult-Pará lançou agora através uma classificação… Os melhores projetos em um total de 25 editais, de R$ 25 mil cada um. Acredito que até o final de abril a gente já lance os editais.
2) Há planos de se estabelecerem parcerias com os órgãos de cultura do Estado?
SR – Então, essa relação está sendo construída de forma muito receptiva. De 25 a 29 de março eu estarei em Belém, em várias agendas, inclusive com a Ursula Vidal, a secretaria estadual de Cultura, Fundação Carlos Gomes, Fundação Cultural do Pará, Curro Velho, TV Cultura, enfim, em uma agenda intensa, exatamente para fazer essas parcerias; levando o planejamento da secretaria, e vendo quais parcerias a gente pode fazer. Mas acredito que muitas boas notícias estão por vir por aí… Na volta eu trarei muitas notícias boas.
3) Podemos esperar a reativação dos festivais? FEMPA e o apoio ao Curta?
SR – Então, nós concluímos o nosso planejamento. Tivemos uma reunião muito bacana com o prefeito, com a Sefaz (Secretaria de Fazenda), que foi muito produtiva. Acreditamos que vai ser 100% do que foi planejado, e vamos voltar com força total com todos os nossos eventos, com algumas diferenças. A minha prioridade aqui é fazer política cultural, fazer com que a cultura chegue na ponta. Sabe, Branco, às pessoas que precisam. Eu sou um defensor da Cultura em todos os aspectos… Economicamente acho ela extremamente importante, socialmente principalmente, que é o desejo do nosso prefeito, e acho que nós devemos usar a cultura dessa forma. O FEMPA volta com toda a força, todos os nossos festivais, o “Jeca Tatu”; agora nós queremos construir em todos esses eventos com a nossa comunidade. Por exemplo, a partir de maio vamos começar a construir o “Jeca Tatu” que para mim é a maior festa popular que nós temos hoje, e ela será uma construção coletiva. Nós vamos começar desde curso de corte e costura, atingindo as mães desses jovens, cursos de adereços, coreografia, estilista, cenografia, durante esses meses para que no final a gente gere tanto o emprego, como capacite os nossos jovens. Vamos disponibilizar a esses jovens que estão ociosos, a oportunidade de ser profissionalizado e no final teremos aquele gostinho de dizer: “Tudo isso foi construído pela comunidade cultural”.
Então não só o “Jeca Tatu”, mas todos os eventos que iremos fazer irão partir dessa premissa, de gerar, da oportunidade para que o nosso produtor cultural ganhe com a Cultura. Eu gostaria que você (o blog) se certifique dessa informação… Eu li, não tenho certeza em qual canal, mas que 4% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional foi responsável pela Cultura. Então assim, da para se ter e viver da cultura, a cultura criativa assim, então acho que é bem bacana. Por exemplo, nós vamos inaugurar em abril a Loja do Artesão no Shopping Partage, que será bem bacana, com vários artesões, em um espaço coletivo que terá o gerenciamento desta secretaria para que o artesão produza, o artesão vai estar lá dentro da loja, ele vai ter uma direção coletiva, e nos iremos ter oficinas lá.
4) Você já anunciou a retomada do “Cultura nos Bairros”. Esse projeto de descentralização das ações da Secretaria será o carro-chefe da sua gestão? Fale sobre ele.
SR – Será o carro-chefe. Talvez não uma retomada, mas o início dessa descentralização. Eu não tenho informação, se der tudo certo, de um projeto tão grande na região. Esse projeto na verdade se inicia na terça-feira, na verdade um pedacinho dele, porque na verdade, nós iremos lançar ele em maio, com o nome “Cultura em Movimento”, que vai trabalhar em parceria com a Secretaria de Habitação – SEHAB e Comdcap (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente). Nós identificamos nos projetos habitacionais lugares ociosos, e por isso iremos implantar agora na primeira etapa, dez polos, e neles nós teremos dança, cultura, teatro, música, algumas oficinas rotativas e a literatura. Cada polo desse terá uma mini-biblioteca para a comunidade; e a diferença desse projeto é que nós vamos ter uma culminância em agosto e outra em dezembro. Enquanto esses professores estão ensaiando essas crianças e adolescentes já com o tema, por exemplo, em agosto nós iremos homenagear as regiões do Brasil em um espetáculo, e durante esse período de quatro meses irão ter várias oficinas de figurino, cenografia, iluminação, etc, que será feito pela comunidade. Cada polo irá trabalhar só com uma comunidade. Um exemplo, nós iremos ter um polo lá no Alto Bonito, e lá nos iremos falar da região Norte. O figurino desses espetáculos serão construídos através de oficinas que terão algumas bolsas para a comunidade de lá. A segunda parte será a Cantada de Natal, que nesses anos nos iremos enfeitar as praças dos bairros através da Cultura em Movimento com oficinas, e essa Cantada irá rodar por todos os bairros. Então foi esse o projeto discutido com o prefeito e que é sim o carro-chefe daqui da secretaria.
5 – O que se pode esperar da gestão, ou seja do uso mais novo equipamento entregue para o município, o Centro Cultural?
SR – Então, o Centro Cultural nos voltamos na terça-feira (19), já com aulas e ele vai ser extremamente utilizado agora na minha gestão. Acho que é um espaço muito bacana, e ele vai ser um ponto do “Cultura em Movimento”, nós teremos várias aulas com essas crianças, que são 480 no total. Lá temos diversos espaços modernos, eles vão utilizar as aulas: dança, teatro, música, áudio-visual, e vamos ter uma agenda bem extensa de eventos culturais. Lá só pode ter eventos culturais. Outro detalhe… Estamos dialogando com a Vale, porque dentro do contrato formado, existe uma cláusula não pode-se cobrar ingressos, o que eu acho um erro… Por que o que nós precisamos? Nós precisamos fazer com que o produtor cultural ele viva da Cultura…
(Blog): O Custeio fica caro também…
SR – Exatamente, os nossos grupos de teatro montam um espetáculo e a comunidade tem esse anseio de ter esses tipos de alternativas culturais que nós não temos, só que ele não pode cobrar. Como ele vai sobreviver? Como ele vai pagar o ator, o figurino… Inclusive nós teremos uma reunião esta semana para tentar ver a forma de tentar mudar isso para que a gente tenha aquele espaço disponível para o nosso produtor cultural usar e sobreviver da Cultura.
6 – Você reconhecidamente e eu falo isso com conhecimento de causa por ter tido a oportunidade de ter trabalhado com você, como um grande operador do marketing, sobretudo o político. O que se pode esperar do Saulo Ramos nessa área especifica do marketing, a imagem, por exemplo, do governo. Existe essa possibilidade de atuar fora de sua secretaria, ajudando o governo em outras situações ou isso é hipotético?
SR – Eu acredito que o que nós vamos fazer aqui é ajudar 100% a gestão, ao nosso prefeito e ao que ele quer. Mas eu me sinto e sou um soldado, sempre disposto a ajudar, eu acho que nós estamos com uma equipe – agora com algumas mudanças – e eu não estou dizendo que, quem esteve antes era ruim ou que não tinha capacidade, mas foi feito muito sabiamente pelo prefeito Darci, algumas trocas no tabuleiro que foram muito importantes. Eu acho e o sentimento que a gente vem agora, sabe Branco… É de trabalhar em parceria, em conjunto mesmo, um ajudando o outro. Eu acho que um trabalho pode complementar o outro, a prova disso, por exemplo, é o “Cultura em Movimento” em que irei trabalhar diretamente com o João (Fontana, secretário de Habitação), e que tem recurso federal na Secretaria de Habitação para esse tipo de situações dentro dos projetos habitacionais. Então, assim, vamos ser parceiros e precisando estaremos sempre a disposição, dando dicas, ideias, com certeza.
7) Bom, secretário, para finalizar a nossa entrevista, deixo o espaço para as suas considerações finais, uma mensagem à população de Parauapebas, aos agentes culturais da cidade
SR – Primeiro eu quero agradecer…Eu digo ao prefeito que é uma honra, uma satisfação de estar à frente de uma secretaria de uma cidade tão importante, como é Parauapebas. Tenho consciência dos desafios, porque se nós formos analisar, cada cidade tem as suas peculiaridades, tem a sua cultura, etc. E nós somos uma cidade diferente das demais. Se a gente dissesse assim: “ah, eu tenho uma cultura” – eu estarei mentindo. Nós somos uma cidade multicultural. Qual é a cultura de Parauapebas? É um pouquinho de cada cultura do Brasil e umas “pinceladas” do mundo. Então é um desafio muito grande fazer com que todas essas culturas tenham espaço e que esses agentes culturais tenham espaço. Então o nosso objetivo aqui na secretaria é trabalhar ouvindo quem realmente faz cultura. Nós entendemos que nada pode ser de cima para baixo, nada pode ser imposto. Eu tenho consciência do meu papel aqui, que é gerir, direcionar, mas de forma muito corporativa, com a ajuda de todos os segmentos, ouvindo e com esses pensamentos. Nosso objetivo principal é fazer com que o agente cultural viva da cultura, que a cultura chegue na ponta, que ela possa ser um alicerce no desenvolvimento, no combate aos problemas sociais, e esse é o nosso grande objetivo. Quero dizer que a secretaria estará sempre de portas abertas, desde o primeiro dia que sentei nesta cadeira, o meu objetivo foi abrir as portas do gabinete, para ouvir as nossas demandas, e agora já estamos no momento que, depois de ouvir, agora é fazer para que as coisas se tornem realidade. Quero convidar a todos a fazerem parte deste processo, agradecer ao nosso prefeito pela oportunidade, e que nos iremos fazer todo o possível para que ele tenha a resposta que ele espera da secretaria.