O que se pensava que poderia ser apenas uma bravata, um movimento que logo seria abafado, justamente por não conseguir ter sustentação, ficando apenas restrito a alguns setores militares e alas do governo Bolsonaro, atualmente essa ameaça está praticamente confirmada que deverá acontecer.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) deixa claro em suas falas que não respeitará o resultado das eleições, caso perca. Propaga que o sistema eletrônico do voto no Brasil é fraudado, portanto, sem garantir, de fato, a lisura do processo. Sobre essas acusações, até hoje, o mandatário nacional nunca apresentou uma única prova do que acusa. Não apresentou porque não a tem. Sua narrativa é apenas uma bravata, que tem como objetivo criar condições de questionamento do processo eleitoral e, consequentemente, um caminho para uma ruptura institucional, que tanto propaga nas entrelinhas e, atualmente, de forma clara.
O Brasil tende a acompanhar em Brasília – caso Bolsonaro perca – o que aconteceu em Washington, capital dos Estados Unidos, quando apoiadores do presidente Donald Trump, derrotado nas eleições presidenciais, invadiram o Capitólio, sede do Congresso americano, com objetivo de evitar a posse do vencedor, o democrata Joe Biden. À época escrevi sobre o fato. Em recente passagem pelos EUA, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Edson Fachin, afirmou que o lamentável caso americano poderá se repetir no Brasil.
Bolsonaro se elege no atual sistema desde 1998, portanto, seis eleições em que em cinco se elegeu deputado federal e uma como presidente da República. Por que só agora esse questionamento? Por que os militares querem ser os validadores de um processo em que sempre se resumiram em ajudar na logística? Qual a expertise do Exército brasileiro em discutir um sistema eletrônico reconhecidamente seguro?
Pesquisas sobre o assunto, como a mais recente feita pelo Datafolha apontou que 70% dos entrevistados afirmou acreditar no processo eleitoral via urnas eletrônicas, portanto, a ampla maioria dos brasileiros acredita na segurança e nos resultados divulgados pelo TSE.
Todo esse questionamento segue um modus operandi de ataque à democracia. Aqui, em outras partes do mundo. No livro “Como as Democracias Morrem”, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt – dois conceituados professores de Harvard, respondem ao discutir o modo como a eleição de Donald Trump se tornou possível nos Estados Unidos, ampliando o debate sobre a perturbadora ameaça às democracias em todo o mundo. Democracias tradicionais entram em colapso? Essa é a indagação principal da citada obra. Eles afirmam que sim.
Antes, por exemplo, se colocava tanques nas ruas e derrubavam governos. Hoje, esses governos de cunho antidemocrático se elegem respeitando o processo legal, mas ao chegarem ao poder, trabalham para fazer ruir o sistema democrático e o Estado de Direito. Bolsonaro faz isso desde janeiro de 2019. O que se mostra é que há, claramente, um movimento constituído com apoios de diversos setores militares, para que o Dia da Independência, no sete de setembro, seja a data para que se derrube o regime democrático, que inclui a não realização das eleições. Ano passado, em 2021, ficou claro que Bolsonaro tentou isso. O presidente forçou um movimento neste sentido, mas não encontrou apoio maciço das Forças Armadas.
Não, por acaso, desde janeiro de 2019, o presidente estimula o armamento, desacredita a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF), o sistema eleitoral, governadores, prefeitos, movimentos sociais… Reafirma a todo momento o risco comunista. Essas são as narrativas que se mantém, apenas se renovam a todo momento e fazem com que se tenha sempre a militância bolsonarista ativa.
A questão é que o contexto atual é muito diferente do golpe militar ocorrido em 1964. O papel do Brasil é outro; não há guerra fria; as democracias – mesmo em risco – se fortaleceram. Caso o golpe ocorra e que Bolsonaro consiga atingir os seus objetivos, o que ocorrerá após isso, o dia seguinte? O mundo aceitará essa ruptura democrática brasileira? Como o capital internacional irá reagir?
A questão é o que sempre digo: dar um golpe não é o mais difícil. O mais difícil é mantê-lo. O que era apenas uma ameaça, hoje tornou-se um risco real.