Mineradoras tem autorização para captar água por ano suficiente para abastecer toda a população brasileira

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O setor mineral possui autorização para captar, anualmente, 15,7 trilhões de litros de água por ano, o suficiente para abastecer 284 milhões de brasileiros, ou seja, 77 milhões de pessoas além da população atual, de acordo com o Censo 2022 do IBGE. As mineradoras tem outorga de águas superficiais e subterrâneas para captar 1,8 bilhões de litros de água por hora. A conclusão é de um estudo da ONG FASE publicado esta semana.

Os números, no entanto, podem ser ainda maiores, diante das inúmeras fragilidades, problemas, ausência de informação e incongruências das bases de dados federais e estaduais, apontam os pesquisadores. Há, por exemplo, um desconhecimento dos órgãos estaduais de onde saem 578 bilhões de litros de água por ano, retiradas de aquíferos brasileiros, para a mineração.

Os estados de Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Pará e Santa Catarina respondem por 94% de toda a vazão do setor no país, enquanto o estado de Minas Gerais concentra, sozinho, 56,4% de toda a vazão outorgada no Brasil. 92% da vazão outorgada para a mineração está sob responsabilidade estadual, o que aumenta o poder de influência e lobby das empresas.

“Há um evidente processo de espoliação das águas brasileiras pelo setor mineral e a consequente alteração dos regimes de recarga hídrica, evapotranspiração e alteração dos índices pluviométricos. Para aqueles que dependem de um córrego, riacho ou rio, a impossibilidade de usá-lo seja pela apropriação privada que provoca ou acirra a escassez, seja pela sua contaminação, a escala em jogo é a de ruptura das condições de reprodução da vida”, conclui o relatório.

Os problemas nas informações disponíveis impediram o mapeamento preciso das empresas que se apropriaram de quantidades massivas de água, um bem comum. Refinamento metodológico e de pesquisa são necessários. O texto destaca ainda que, considerando o período entre 2011 e 2020, 58% dos casos de conflitos pelas mineradoras analisados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) ocorreram em disputa pela água e 42% por terra.

Para os pesquisadores, a água é um bem comum, não passível de privatização e mercantilização, constitui direito humano fundamental, integrante do direito à alimentação, assim como é parte indissociável dos territórios tradicionais dos povos e comunidades. A garantia dos direitos territoriais, a democratização do acesso à terra e o fortalecimento dos direitos coletivos são condições essenciais para a proteção das águas e da sociobiodiversidade brasileira”.

Entre as recomendações, constam: a revisão democrática e emergencial da Política Nacional de Recursos Hídricos e do Plano Nacional de Segurança Hídrica; a instituição de mecanismos legais e institucionais que delimitem e resguardem “territórios livres” da exploração privada por projetos de amplo impacto socioambiental e climático; criação de um banco de dados público e de fácil acesso que agregue e disponibilize informações sobre a concessão de outorgas superficiais e subterrâneas (estaduais e federais); ampliar a fiscalização, controle social,

transparência e acesso à informação sobre uso e qualidade da água; não devem ser concedidas ou renovadas outorgas em áreas de recarga de aquífero ou de grande importância hídrica; devem ser instituídas Zonas Livres de captação intensiva e desmatamento em larga escala; o licenciamento ambiental de projetos do agronegócio, mineração e energia devem ser suspensos até que se definam critérios de avaliação técnica dos impactos cumulativos e sinérgicos sobre as áreas de recarga hídrica, entre outros.

Por Maurício Ângelo – Observatório da Mineração. 

Imagem: reprodução Internet. 

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