O levante popular. Uma nova primavera?

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Venho sucessivamente abordando em minhas aulas, estas direcionadas ao Enem e concursos públicos, a questão política do continente sul-americano. Ainda como estudante de Geografia, acompanhei a partir de 2003, o levante de centro-esquerda que se formava no continente. No referido ano, Lula assumia a Presidência no Brasil; logo em seguida Cristina Kirchner, na Argentina, Evo Morales se elegeria no ano de 2005, na Bolívia, e Rafael Correa no Equador, em 2007. Antes do cenário descrito, Hugo Chaves já governava a Venezuela, desde 1999, e já tinha passado por um golpe de Estado, em 2002.

Mais à frente viriam Fernando Lugo no Paraguai e Mujica no Uruguai. O levante esquerdista estava consolidado em nosso continente. As exceções eram Peru, Chile e Colômbia, que se mantiveram em outro espectro político. Bachelet governou o Chile, e ela tinha um direcionamento de centro-esquerda, mas pouco avançou no social. Muitos diziam que nem se poderia considerá-la como um governo à Esquerda, mas uma “centrista”.

Iniciou a segunda década do atual século, e os ventos começaram a mudar, de forma homeopática, porém, mudaram. E assim, aos poucos, a cada processo eleitoral, a Esquerda foi perdendo espaço, e governos conservadores e liberais começaram a tomar o poder em diversos países. Inverteu-se a direção, que passou a ser à direita. Foi assim no Paraguai e Equador. Em seguida Chile e Argentina. E, por último, mais recente, o Brasil.

A Venezuela aos trancos e barrancos, Nicolas Maduro se mantém no poder, assim como Evo Morales, que recentemente teve o seu quarto mandato autorizado, após vencer uma polêmica eleição, há quinze dias, com o pedido de recontagem de votos, após o fim do processo de apuração. Morales estão desgastado politicamente naquele país. Vários fatores apontam para essa perda de apoio: um deles é a diminuição do ritmo de crescimento da economia boliviana e a manobra do atual presidente para se manter no poder, disputando, portanto, um quarto mandato, o que é proibido pela Constituição. 

Recentemente a América do Sul vem passando por muitas transformações. Uma verdadeira ebulição política vem ocorrendo em dois países: Equador e Chile. Argentina e Bolívia vivem eleições presidenciais. O primeiro manteve um governo socialista e o segundo, volto ao campo da Esquerda, como a volta ao poder dos peronistas, que impuseram uma derrota em primeiro turno ao atual presidente Maurício Macri, um neoliberal assumido.

Diferente do Equador, a resistência no Chile promete ser duradoura. Os manifestantes, em um quantitativo em mais de um milhão nas ruas da capital Santiago, não querem simplesmente uma mudança no perfil do governo, e sim a queda deste. Prometem ficar nas ruas até a renúncia do presidente Sebastian Piñera. O caso dos chilenos é emblemático e produz um volumoso processo analítico, que nasce desde a queda de Allende, a tomada do poder por Pinochet, e a chegada do neoliberalismo, no início dos anos de 1990. A base ideológica deste processo foi construído pelo Consenso de Washington, a pedra fundamental das políticas neoliberais; e o Chile foi o laboratório desta política. Foi a primeira nação sul-americana a adotar as recomendações do que prega e defende o consenso.

Não, por acaso, que os fatos que vem ocorrendo em solo chileno são tão emblemáticos. Entre as nações da América do Sul, o Chile é o mais neoliberal, portanto, quem mais aplica os preceitos do Estado Mínimo. Foi quem mais promoveu reformas. E o resultado está sendo visto. A precarização dos serviços é uma realidade, e a remuneração – especialmente dos aposentados – tornou-se calamitosa, após um ampla reforma do sistema previdenciário chileno, que passou a ser controlado pelo setor privado, através de fundos, sob regime de capitalização. O reajuste nos preços das tarifas do transporte (o mesmo estopim do conflito no Equador), ocasionou o levante popular em Santiago.

Essas manifestações em cadeia, de modo sucessivo, criou termos como “primavera sul-americana”, em referência aos fatos ocorridos desde 2011, nos países árabes. Será que estamos diante de um levante social, de resistência ao processo de cooptação das grandes nações ou empresas? Será que as políticas neoliberais estão em xeque no continente sul-americano? Essa onda à esquerda chegará ao Brasil? 

O que se pode afirmar é que, a democracia como regime político, tendo como base um Estado cada vez “menor”, menos presente, já não consegue atender as demandas sociais. E isso se reflete não só em nosso continente, mas ao redor do mundo, incluindo os redutos mais ricos, como a Europa.

Ainda é cedo para se fazer comparações entre movimentos, mas há uma certeza que o Estado está em xeque. As políticas neoliberais – pelo menos dentro do continente sul-americano – são questionadas e não respondem ou atendem a demanda social, cada vez mais crescente. Isso se refletiu, por exemplo, na eleição na Argentina, e poderá, com certeza, refletir nas próximas dentro do continente. 

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