O reinventar da relação entre os Poderes sob a ótica bolsonarista

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A teoria da separação dos poderes de Montesquieu, na qual se baseia a maioria dos Estados ocidentais modernos, afirma a distinção dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e suas limitações mútuas. Por exemplo, em uma democracia parlamentar, o legislativo (Parlamento) limita o poder do executivo (Governo): este não está livre para agir à vontade e deve constantemente garantir o apoio do Parlamento, que é a expressão da vontade do povo. Da mesma forma, o poder judiciário permite fazer contrapeso a certas decisões governamentais.

O conceito da separação dos poderes, também referido como princípio de trias politica, é um modelo de governar cuja criação é datada da Grécia Antiga. A essência desta teoria se firma no princípio de que os três poderes que formam o Estado, devem atuar de forma separada, independente e harmônica, mantendo, no entanto, as características do poder de ser uno, indivisível e indelegável.

O objetivo dessa separação é evitar que o poder se concentre nas mãos de uma única pessoa, para que não haja abuso, como o ocorrido no Estado Absolutista, por exemplo, em que todo o poder concentrava-se na mão do rei. A passagem do Estado Absolutista para o Estado Liberal caracterizou-se justamente pela separação de Poderes, denominada Tripartição dos Poderes Políticos.

A reforma da Previdência está ampliando o debate para além de seus limites de atuação, ou seja, promovendo, por exemplo, a relação entre os Poderes da República. Tudo porque, ao ser enviado pelo Executivo ao Legislativo, a reforma do sistema previdenciário foi empurrada pelo governo para os parlamentares, em que se abdicou de debatê-la. Fica flagrante que os operadores políticos do Palácio do Planalto não se mobilizam pelo texto enviado.

Os Poderes são independentes. Portanto, o Legislativo não é subordinado ao Executivo, aqui e em nenhum lugar do mundo que tenha o mesmo regime político que o nosso. Governo disse ao Congresso: “agora é com vocês”, ou seja, a “bola” está com os parlamentares; o que coube ao governo – neste caso – preparar o texto e enviá-lo, foi feito.

Se só isso bastasse, não precisaria, por exemplo, ter líder de governo no legislativo; não precisaria fazer articulação política. Bastaria, portanto, enviar qualquer projeto de interesse governista que o parlamento, sem ressalvas, o aprovaria. Em um Congresso composto por 513 deputados e 81 senadores, não criar articulação política é algo impensado, sem lógica, até. É, como disse, reinventar a política, sobretudo a nossa, regida por um presidencialismo de coalizão, que perdura por décadas.

A estratégia do governo de não articular é transformar a ação em um termo de outro sentido: negociar. Isso é colocado semanticamente da pior forma possível. Essa narrativa de criminalizar a todo custo a política, é uma das bases, sobretudo, ideológica do Bolsonarismo. O governo produz a narrativa de que a responsabilidade da aprovação ou não da reforma da Previdência é do Congresso. Mas quem a formulou? E partindo do princípio básico, o Legislativo tem como prerrogativa principal fiscalizar o Executivo. Então, sem delongas, cabe o debate sobre o texto da reforma.

Há claramente – e isso foi fomentado pela reforma da Previdência – uma relação de tensão entre os Poderes, em especial entre os dois citados neste texto. Por parte do governo não há de se acreditar em pacificação. A lógica de operação, e ela têm como base na ala mais influente, a ideológica, que se sustenta através do confronto, da artilharia. Por isso, a intermitente narrativa de ter inimigos permanentes (em vários segmentos e sentidos), e que encontra no Bolsonarismo a sua propagação. Depende do ambiente de campanha permanente, de inimigos permanentes para manter acesa a “tropa”, como bem disse Andreazza. E claramente, um dos inimigos permanentes dos apoiadores de Bolsonaro, é atividade política. Por isso, tal atitude governista (de não buscar articulação no texto da reforma) se explica.

Pessoalmente o presidente Jair Bolsonaro transparece que não quer aprovar a reforma. Em quase três décadas como deputado, nunca votou favoravelmente a qualquer reforma que chegou ao Congresso. E, claramente, parece não fazer esforço para aprová-la no ambiente que pouco fez, mas que conhece bem.

O presidente da Câmara nunca será o articulador da reforma, do governo. Isso é delírio Bolsonarista. Se assim fosse, elimina-se, por exemplo, a figura do líder de governo no parlamento, qual o seu sentido operacional? Elimina-se o papel do ministro Chefe da Casa Civil, que culturalmente em nossa política, sempre esteve à frente do processo de articulação com o parlamento, não no varejo, mas na relação com os líderes de bancadas.

O governo Bolsonaro quer transformar o Legislativo em um mero despachante? Primeiro o faz o criminalizando-o, e que a tropa das mídias sociais está fazendo muito bem isso, a exemplo dos ataques sofridos por Rodrigo Maia, e que partiram de dentro do próprio governo e de quem opera de fora, como o filho do presidente, Carlos.

Dito isto, então caso a Câmara de Deputados (sem a articulação do governo) não aprove a reforma da Previdência, os parlamentares seriam traidores da nação? O Bolsonarismo minou a ideia de liderança, articulação e democracia representativa. Todos jogados no lixo. Há claramente por parte do governo uma narrativa e postura imperiais. Desconsidera-se, por exemplo, que, os parlamentares foram eleitos pelo povo, assim como o presidente.

Negociar passou a ser atividade criminosa? Para o discurso da ala ideológica governista e que está sendo reproduzida pelos Bolsonaristas, passou a ser. E isso é perigoso a Democracia e ao próprio Estado de Direito. O reinventar a relação entre os Poderes da República é algo perigoso. Rebaixar a importância do papel do Legislativo é algo preocupante. O inimigo (sob a ótica Bolsonarista) continua agindo. E, neste momento, ele está personificado na figura de Rodrigo Maia.

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