Em um passado recente, a ordem natural das coisas em Brasília desde o processo de redemocratização foi o Executivo ter o controle do jogo político através do repasse de emendas aos parlamentares. Era dessa forma que se constituía o que se acostumou chamar de Presidencialismo de Coalizão, ou seja, o governo mantinha uma ampla base de apoio com diversos partidos, dando aos parlamentares cargos e liberação de verbas.
Todavia, essa engrenagem mudou em 2025, quando Eduardo Cunha conquistou a Presidência da Câmara dos Deputados, em 2015. No ano seguinte, com atuação imperial, Cunha promoveu em represália a falta de apoio do governo, o impeachment de Dilma Rousseff. Cunha mostrou que os congressistas tinham condições de romper com o modelo que os controlava, tendo mais autonomia.
A imposição de diversas derrotas ao governo em votações importantes, mostravam ao Palácio do Planalto que a ordem estava se invertendo. Se antes os parlamentares tinham que votar favoravelmente para depois terem suas emendas lideradas, agora, o governo teria que libera-las antes de qualquer votação de seu interesse. Caso contrario, a derrota era certa, mesmo sendo da base. E dessa forma se manteve.
Em 2019, de forma tímida, como se fosse uma proposta que não se tinha certeza que se firmaria, nascia o que se chama hoje de Emenda PIX, termo popularizado por conta do repasse ser rápido, sem burocracia e direto na conta do destinatário. Todavia, essa modalidade tomou grande proporção em 2021, quando Arthur Lira se elegeu presidente da Câmara dos Deputados, colocando esse tipo de repasse na vitrine e como condicionante para qualquer negociação com o governo. Estava posto o chamado orçamento secreto.
Sem controle e transparência, logo apareceram diversos casos claros de mal uso de recurso público, geralmente em municípios pequenos, do interior, em que o controle, inclusive, de tribunais de contas é menor. Há casos que impressionam, como os de repasse, por exemplo, para a compra de dentaduras em quantidade três vezes maior do que a população absoluta do lugar.
Logo, a Controladoria Geral da União (CGU), Tribunal de Contas da União (TCU), além do Supremo Tribunal Federal (STF) iriam entrar no jogo para ao menos controlar a farra que se tornou os repasses das emendas, escândalos sucessivos.
O ministro Flávio Dino vem travando uma luta solitária sobre essa questão. Bloqueando, exigindo maior transparência, todavia, sozinho pouco se avançará.
O Congresso Nacional aprovou na última sexta-feira (19) em votação simbólica, o Orçamento de 2026 com reserva de R$ 61 bilhões para emendas parlamentares. Em paralelo, o texto incluiu cortes em despesas previdenciárias e programas como o Pé de Meia e Auxílio Gás. Do montante das emendas, R$ 49,9 bilhões são as que ficam sob controle dos parlamentares, incluindo emendas individuais, de bancada e de comissão.
As emendas impositivas são de dois tipos: individuais (dirigidas a cada senador e deputado): R$ 26,6 bilhões; e de bancada (destinadas às bancadas estaduais): R$ 11,2 bilhões. Há ainda reserva para o pagamento das emendas de comissão, que não têm execução obrigatória e dependem de liberação do Planalto. O montante destinado a essa categoria ficará em R$ 12,1 bilhões.
Dentro do total orçamentário de R$ 3,5 trilhões, apenas R$ 81 bilhões estão reservados para investimentos do governo em todo território nacional, pouco mais do que os congressistas terão em emendas. Em breve, se nada for feito para conter esse sequestro orçamentário por parte do Legislativo, o governo terá menos recursos para investir no país, o que é grave sob o ponto de vista da integração nacional e o combate às desigualdades regionais, que passam a serem aprofundadas pelas emendas, pois elas são aplicada conforme a representação parlamentar.
Em linhas gerais, vivemos em um sistema presidencialista capenga frente ao crescente protagonismo do Congresso Nacional, formando um parlamentarismo disfarçado, em que o presidente da República vai perdendo poder e os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, vão reunindo mais poderes.
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