Com o mundo em desordem após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), caindo a imagem de ternura da Belle Époque e restando apenas as cicatrizes da guerra, que se alastrou como fogo pelos países europeus, as nações insuflaram um sentimento nacionalista em seus cidadãos, e claro, no Brasil não seria diferente. Somados aos fatores do pós-guerra, o período de 1910 a 1920 foi marcado por questões sociais no Brasil, envolvendo greves por diversas cidades do país, em sua maioria, realizadas pelo Movimento Operário, que buscava melhores condições de trabalho e de vida.
Com o Centenário da independência se aproximando, e o constante questionamento se estávamos ou não a altura do mundo civilizado, a imprensa brasileira que vivia durante a Primeira República (1889-1930), deu início a uma campanha pelos jornais cariocas, no intuito pressionar o governo para a adoção de medidas que realizassem uma grande comemoração do Centenário da independência. Mesmo que a economia do país não estivesse nas melhores condições, o governo federal realizou o evento. No entanto, sendo o Rio de Janeiro como o palco do espetáculo, deveria passar por um processo de saneamento e embelezamento, incluindo a demolição parcial do Morro do Castelo, o que gerou uma série de debates na imprensa carioca.
Com os relatos em detalhes da festa do dia 7 de setembro, a imprensa foi fundamental para a recuperação do prestígio para o governo de Epitácio Pessoa no ano de 1922, já que o tom das reportagens era exagerado e patriótico. Ademais, o governo federal do período conseguiu com destreza tirar proveito das comemorações em uma bem elaborada “manobra ideológica”, acalmando os ânimos da população, mesmo com a situação política em uma crise, que perdurou por toda a década de 1920.
Na contemporaneidade, um fator a ser analisado, é a comemoração do Bicentenário da independência. Um ponto frequente de estudo, é a utilização de datas comemorativas da história para fins ideológicos, e com a comemoração da independência, a narrativa ufanista no bicentenário, torna-se motivo de receio. Tal fato é agravado pelo governo atual, por se mostrar propenso a capitalizar com a utilização política da festividade. Pode-se perceber tais inclinações através das mobilizações para organizações de exposições em diferentes museus, com projetos do IBRAM (Instituto Brasileiro de Museus) para a reconstrução do Museu Nacional a tempo da comemoração. Nessa mesma lógica, são encontrados preparativos em São Paulo para reinauguração do Museu do Ipiranga, que atualmente se encontra em processo de reforma.
A memória nacional ainda sofre muita influência a respeito do 7 de setembro, tendo uma perspectiva do estado, e elegendo um herói da pátria, como os ditos Libertadores da América, espalhados pela América do Sul. Essa visão foi moldada ao decorrer do século XIX e ganhou ênfase durante o período da ditadura militar. A construção do 7 de setembro como data nacional é muito elucidativa, atuando na legitimação do imperador como figura representante de todo o processo separatista, como destaca a historiadora Neuma Brilhante.
As tendências bolsonaristas que aos poucos se expõem, ficam mais claras na medida que a festividade se aproxima, como por exemplo, com o uso do bicentenário pelo instituto Brasil 200, que é constituído por empresários que apoiaram o então presidente Jair Bolsonaro durante o período eleitoral. Mas então surge a pergunta: Qual o problema de se utilizar o passado de forma política por meio de uma história nacionalista? A grosso modo, a resposta é curta e direta: essas narrativas buscam construir determinados marcos fundadores, e em sua maioria, com um agente único, apagando todo o processo que antecedeu ou foi contemporâneo ao acontecimento, tais como as revoltas regionais com viés separatistas.
A data comemorativa conecta em uma linha tênue o passado, presente e futuro. Dando destaque ao presente, as questões políticas do nosso tempo se tornam aparentes quando analisamos o interesse descomunal em pela sugestão do revisionismo histórico, a fim de valorizar a narrativa nacionalista da história da pátria. Aliado a esses fatores, encontra-se o ano de 2022 como ano eleitoral, o que torna os pontos aqui abordados mais certeiros, visto que assim como as obras faraônicas utilizadas para mascarar as mazelas sociais no período da ditadura, os grandes eventos podem ser usados pelo presidente Jair Messias Bolsonaro no mesmo sentido, em prol da demonstração de medidas através de festividades veneráveis.
Por fim, comemorar o bicentenário da independência em 2022 é reconhecer que a independência do Brasil não foi um processo único, e sim um processo heterogêneo com diferentes temporalidades. Composto por agentes múltiplos, sendo eles homens, mulheres, negros e indígenas. Perceber que limitar a independência a D. Pedro I é apagar a história do país, e desvalorizar a luta dos que deram a vida pela independência política da nação. Reconhecer essa multiplicidade é abraçar a diversidade, a inclusão e a concepção de que também somos sujeitos históricos.
Por: Mario Washington O. Ferreira