Necropolítica é um conceito desenvolvido pelo filósofo negro, historiador, teórico político e professor universitário camaronense Achille Mbembe que, em 2003, escreveu um ensaio questionando os limites da soberania quando o Estado escolhe quem deve viver e quem deve morrer. O ensaio virou livro e chegou ao Brasil em 2018, publicado pela editora N-1. Para Mbembe, quando se nega a humanidade do outro qualquer violência torna-se possível, de agressões até morte.
Neste sentido, atravessamos o Atlântico, e desembarcamos no Brasil. Ontem, 28, infelizmente ultrapassamos a barreira dos cinco mil mortos por Covid-19. De quebra pelo quantitativo exposto, passamos em óbitos a China, o primeiro país a registrar o novo coronavírus. E pior, entre os 10 países como o maior número de mortes, o Brasil é o que apresenta o maior crescimento da curva de casos. Inversamente proporcional a isso, discute-se no país medidas de flexibilização do isolamento social.
Jair Bolsonaro já demostrou inúmeras vezes que não se importa com a pandemia do novo coronavírus no país em que ele é o chefe da nação. Exemplos não faltam para comprovar a sua postura relativizadora sobre a realidade. E isso é reconhecido até pela comunidade internacional. A começar pela troca (simplesmente por não concordar com as medidas e estas tomadas seguindo orientações da Organização Mundial da Saúde) de ministro.
Ontem, ao atingirmos a triste marca de cinco mil mortes (e isso sem levar em consideração alto nível de subnotificações), o presidente ao ser questionado por um repórter sobre a lamentável estatística, replicou: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”. Tal resposta ecoou pelo país e pelo mundo. Dentre todas as lamentáveis narrativas sobre a pandemia, esta última talvez possa ter sido – até aqui – a pior. É desumano escutá-la. Uma pessoa que perdeu pessoas próximas, entes queridos pelo vírus, como se sente ao escutar tal justificativa do presidente?
Recentemente escrevi neste Blog, logo no início dos casos no Brasil, por ocasião do levante dos governadores sobre a questão, em detrimento a inércia do Palácio do Planalto, que a crise que se avizinhava, iria separar “Homens de Meninos”. Os momentos difíceis pelo qual estamos passando, teria a função de nos mostrar os bons e os maus gestores. O filtro está posto. Enquanto uns crescem politicamente (usando ou não a crise como trampolim – de qualquer forma se sim, mas estão tomando medidas corretas), outros só diminuem a sua estatura política. No caso do presidente da República, sua popularidade vem caindo a cada medição. Perde apoio e suas narrativas (como a lamentável de ontem, 28) só pioram a sua situação política.
A narrativa de Bolsonaro pode ser – aos mais críticos ou seria aos mais atentos? – considerada necropolítica. Conforme dito no início deste artigo, ela ocorre quando o Estado escolhe quem deve viver e quem deve morrer. O “E daí?” do presidente nada mais é do que uma escolha. Além de desconsiderar o alto índice de mortandade, ele lava as mãos e deixa claro que não pode fazer nada. Se muito mais brasileiros vierem a morrer, que assim seja.
O presidente desta forma e sem exageros, institui a necropolítica. Quando se nega a humanidade do outro, qualquer violência torna-se possível, de agressões até morte. O mandatário da nação mostra-se incapaz de conduzir o país, ainda mais na atual conjuntura de crise. em meio ao caos que o Brasil poderá viver se a curva continuar a subir, não podemos aceitar um simples e desumano “E daí?”.