Passava das 16 horas quando um barulho ensurdecedor interrompeu, em 5 de novembro de 2015, a tranquila rotina do distrito de Bento Rodrigues, na cidade mineira de Mariana. Seguiu-se, então, uma nuvem de poeira e o revoar dos pássaros. Os moradores do vilarejo perceberam ali que havia algo errado. Em questão de minutos, gritos e buzinas tomaram as ruas, a onda de lama se aproximava. Só havia tempo para correr.
Há três anos a maior tragédia ambiental da história brasileira ocorria em Minas Gerais. O município de Mariana foi quase varrido do mapa. Localizado a 124 km da capital Belo Horizonte, bem próximo do rompimento das duas barragens da mineradora Samarco, controlada pelas gigantes do seguimento mineral: Vale e BHP Billiton (australiana).
Três anos depois, o país ainda acompanha os desdobramentos da tragédia e suas consequências que ocorreram nos campos econômico, social e ambiental. Ainda não se mensurou totalmente os impactos futuros. As barragens que se romperam eram de rejeitos do processo de produção mineral. Nesses espaços eram depositados restos de rochas e areia, juntamente com água, portanto, sem composição tóxica. O primeiro embate ocorreu justamente nesse ponto. De um lado o discurso para amenizar os impactos e de outro, a denúncia dos riscos que o contato com essa lama poderia causar a saúde humana.
Desde a data da tragédia, o blog produziu diversos textos sobre a citada questão. Em todos eles foi analisado o ocorrido, relacionando com a situação de Carajás, em especial no município de Parauapebas. A reflexão sempre foi a mesma: qual lição de Mariana ficou para Carajás? Haveria a possibilidade do ocorrido em Minas Gerais, ocorrer no Pará, em Carajás? Quais as medidas de segurança foram tomadas para que isso não aconteça? Caso ocorra um acidente em uma das barragens do complexo Grande Carajás, os planos de emergência e gerenciamento de crise estão planejados, simulados e reavaliados?
A situação é mais complexa do que se pode pensar. O Blog do Zé Dudu, por exemplo, em recente postagem, levantou que, das 790 barragens de rejeitos de mineração dos país, 109 estão no Pará. Parauapebas possui quatro barragens da mineradora multinacional Vale classificadas com alto potencial de dano associado. Ainda segundo o blog citado, a mineradora Vale tem 14 barragens dentro de Parauapebas: Kalunga, Kalunga 2, Kalunga 3, Azul, Água do Igarapé Bahia, Rejeitos do Igarapé Bahia, Dique do Puma 1, Estéril Sul, Gelado, Geladinho, Jacaré, PDE 2, Pera Jusante e Pera Montante. Todas elas são fiscalizadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM). Portanto, há um risco silencioso, e que é pouco percebido pela opinião pública e sociedade de forma geral.
Em Carajás, a Vale, logo após a tragédia mineira, contratou empresas especializadas e um verdadeiro exército de profissionais na área foram destacados para percorrer as barragens da mineradora na serra dos Carajás e no restante do território paraense. Segundo fontes, quando os técnicos terminaram as verificações, perceberam que muito trabalho teria que ser refeito ou feito para o enquadramento mínimo das normas de segurança. Claro que isso sem publicidade. Mais um caso de centenas de exemplos dos “segredos da Vale”.
Em março do ano passado, ocorreu uma vistoria realizada pelas equipes da Secretaria Municipal de Segurança Institucional e Defesa do Cidadão (Semsi) e da Defesa Civil na Serra dos Carajás, para conhecer de perto o sistema de segurança das barragens da Vale. A referida visita fez parte de um cronograma de trabalho da empresa, com os órgãos técnicos, para ampliar o conhecimento e aprimorar o sistema de segurança.
As autoridades públicas municipais estiveram por várias horas com os engenheiros e técnicos da mineradora. A visita foi distribuída em duas partes: teórica e prática (com a verificação em “in loco”) sobre a segurança e os planos de emergências para esses empreendimentos. Mas, pareceu apenas uma apresentação institucional do que a empresa tem a mostrar, uma visita protocolar em relação ao cumprimento de acordo firmado com os órgãos fiscalizadores.
Seria o suficiente para evitar algum desastre ou tragédia? E os agentes fiscalizadores estão – de fato – preparados ou a par de tudo que ocorre do outro lado da portaria? Segundo os técnicos (contratados pela própria mineradora, além dos técnicos de órgãos ambientais) que estiveram nesses locais, logo após a tragédia em Mariana, afirmaram à época que nem tudo está conforme divulgado ou mostrado.
Os questionamentos se fazem necessários. Não só pelo ocorrido em Mariana, mas pelo cenário desse tipo de construção pelo país e em especial, em solo paraense. Esse raio-x foi confirmado pela publicação do “Relatório de Segurança de Barragens 2017” pela Agência Nacional de Águas (ANA), divulgado no último dia 19. Segundo o relatório e que foi analisado pelo Blog do Zé Dudu, foram contabilizadas 263 barragens no Pará, seis das quais classificadas na categoria de “risco alto”, metade no município de Parauapebas. Além disso, 78 barragens são referidas com “alto dano potencial associado”, sendo sete delas implantadas em Parauapebas.
Inegavelmente há um risco intermitente, e pior, ele é silencioso. Após a maior tragédia ambiental ocorrida no Brasil, o que ficou de lição para Carajás?