O recente lançamento do Veo 3, modelo avançado de inteligência artificial (IA) generativa do Google, capaz de criar vídeos com qualidade cinematográfica, trilhas sonoras, efeitos sonoros e sincronização labial a partir de comandos de texto, representa um avanço impressionante na tecnologia de geração de conteúdo. Embora promissora em muitos campos, essa inovação também acende um alerta vermelho para as eleições de 2026 no Brasil: o uso indevido de deepfakes – técnica que utiliza IA para replicar vozes e rostos e simular falas e ações, dificultando a distinção entre o real e o falso – pode ameaçar a integridade do processo democrático.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já manifestou preocupação com o uso de inteligência artificial na propaganda eleitoral. Em 2024, o TSE regulamentou o tema, proibindo deepfakes e exigindo avisos claros sobre o uso de IA em conteúdos eleitorais. Contudo, o avanço veloz dessas tecnologias demanda atualizações constantes nas normas e estratégias de fiscalização.
Exemplos internacionais reforçam a gravidade do problema. Durante as eleições presidenciais argentinas de 2023, grupos ligados a Javier Milei, do partido La Libertad Avanza, divulgaram um vídeo nas redes sociais em que o adversário Sergio Massa supostamente aparecia consumindo cocaína. As imagens manipuladas, originadas de um vídeo antigo de 2016, utilizaram a técnica de sobreposição do rosto de Massa sobre o de outra pessoa. Com ferramentas como o Veo 3, a sofisticação dessas falsificações torna-se ainda mais perigosa e difícil de identificar para o eleitorado.
A polarização política que já permeia o debate público brasileiro torna esse cenário ainda mais alarmante. Em uma sociedade profundamente dividida por ideologias, o uso de vídeos falsos pode inflamar ainda mais os ânimos, estimular confrontos, semear desconfiança e até fomentar episódios de violência. Grupos extremistas podem explorar essas tecnologias para ataques personalizados, disseminação de teorias conspiratórias e enfraquecimento da confiança nas instituições democráticas.
Esse desafio torna-se ainda mais intrincado diante do comportamento do eleitorado. Uma pesquisa do Instituto Locomotiva, divulgada em 2024, revelou que oito em cada dez brasileiros admitem já ter acreditado em conteúdos falsos. No entanto, 62% afirmam confiar na própria capacidade de distinguir o que é verdadeiro do que é falso. Esse paradoxo escancara a vulnerabilidade da sociedade frente a conteúdos cada vez mais sofisticados e persuasivos.
A Justiça Eleitoral enfrenta, portanto, o grande desafio de equilibrar a liberdade de expressão com a proteção da democracia contra a manipulação informacional. É crucial promover uma aliança entre órgãos públicos, plataformas digitais e a sociedade civil para desenvolver mecanismos eficientes de detecção e remoção de conteúdos falsos.
Mais do que nunca, é imprescindível investir em educação midiática, não apenas para aprender a identificar vídeos manipulados ou notícias falsas, mas para desenvolver uma mentalidade crítica diante das informações consumidas e compartilhadas. A transparência e a confiança no processo eleitoral dependem da capacidade coletiva de enfrentar os desafios impostos pelas novas tecnologias.
Por Heber Gueiros – Comunicador por vocação, bancário por profissão, analista político por paixão e pesquisador da história amazônica.



