Até o momento, já foram protocolados na Câmara Federal, 31 pedidos de impedimento do presidente Jair Bolsonaro. Isso em apenas 16 meses de governo. Para se criar um padrão comparativo, o ex-presidente Fernando Collor, em 30 meses de governo, teve 29 pedidos de impedimento. Dilma Rousseff, em 67 meses (um mandato de quatro anos cumprido e mais 19 meses do segundo período de governo), reuniu 68 pedidos de impeachment.
Isso tudo em apenas 32 anos de regime democrático, após 21 anos de ditadura militar. A nossa democracia é capenga. E ficou mais frágil, após ter sido institucionalizado o regime presidencialista de coalizão, ou seja, o governo precisa ter maioria no parlamento e, para isso, precisa negociar com partidos. A questão é que temos 35 legendas, 30 destas com assento no parlamento. Como governar assim?
Bolsonaro se elegeu – como já dito aqui inúmeras vezes – com a promessa de ser diferente, de fazer uma “Nova Política”, algo que nunca acreditei, justamente porque não se faz isso com o atual modelo político que temos. Conforme dito em outros artigos, a realidade de Brasília se impõe. E nela não cabe um novo modelo. Tanto isso é verdade que, sem cerimônia, Jair Bolsonaro se aproximou do chamado “Centrão”, composto por PP, PL, Republicanos, PSD e PTB. A soma de cadeiras desse grupo chega a 200, podendo expandir – a depender de acordos – até 236. Portanto, ele unido, inviabiliza qualquer ação, neste momento e nesta conjuntura política, de aprovação de impeachment.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, é quem aceita o pedido, dando portanto prosseguimento aos trabalhos, porém sabe da força do Centrão. Compreende que hoje, se o tal grupo suprapartidário confirmar a união junto ao Palácio do Planalto, qualquer pedido de impedimento contra o presidente, dificilmente passaria. E há fatores exógenos na questão, como por exemplo, a popularidade de Jair Bolsonaro, que vem caindo, mas ainda se mantém em patamar (30%), o que lhe garante apoio popular. A questão é: quanto mais ela cairá? O seu nível de estabilidade será abaixo de 15%? Se sim, os ventos mudam. Outra questão é: como promover um processo de impeachment em meio ao caos que o país vive? Tal medida seria imprópria e aumentaria ainda mais a instabilidade política no país, tirando o foco principal que é o combate ao coronavírus. Há de se ter responsabilidade no momento.
Mas há uma outra situação que pode promover o início do processo de impeachment de Jair Bolsonaro. Atende pelo nome de Supremo Tribunal Federal (STF). Vamos aos fatos. Um presidente da República pode sofrer processo de impedimento por duas formas: por crime de responsabilidade (Lei nº 1079) ou crime comum, isso claro no exercício do cargo. Neste caso, a Procuradoria-Geral da República apresenta a denúncia ao Supremo Tribunal Federal, este através de um relator, aceita ou não tal denúncia. Ao aceitá-la, a PGR remete o processo para a Câmara de Deputados, que assim como no crime de responsabilidade, precisa ter 2/3 de votos para se concretizar o afastamento. Isso ocorrendo, o STF está autorizado a abrir o processo e o presidente é afastado do cargo por 180 dias.
No último domingo, 26, a jornalista Vera Magalhães em sua coluna no jornal Estado de São Paulo, sob o título “Bola com o Supremo” tratou do tema. Segundo ela, o fio começa com um processo que corre na mais alta Corte do país, em sigilo, sobre Fake News contra ministros do referido tribunal. O inquérito tem como relator Alexandre de Moraes, e conta com apoio da maioria de seus pares. A Corte antes dividida, agora parece ter consenso sobre os perigos dos atos do presidente e de sua prole. O Supremo resolveu agir. Ser o freio e contrapeso na questão do avanço autoritário de Jair Bolsonaro.
Faz sentido, portanto, o silêncio e a pouca mobilidade de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre sobre a questão. É do STF que partirá o processo que poderá ou não afastar o presidente do cargo, temporariamente (enquanto o processo de julgamento transcorrer), ou em definitivo.
A questão agora é saber – levando em consideração que em ambos os casos, crime de responsabilidade ou comum (via STF) – se há 2/3 da Câmara para voltar, permitindo que o impedimento possa ocorrer. Essa questão ainda é incerta. Se o Centrão for em sua totalidade a favor do governo, é quase impossível que o afastamento do presidente ocorra. Os parlamentares do citado grupo sabem disso, por isso, saberão vender muito caro o apoio ao presidente. Bolsonaro sabe que sem o grupo, há grandes chances de cair. A pandemia, neste caso, lhe é favorável. Pois não há cabimento em iniciar o afastamento de um presidente na atual situação do país.
De qualquer maneira, mesmo na atual circunstancia que o Brasil se encontra, sob a gestão de um desgoverno, não há o que comemorar em um processo de afastamento de um presidente da República. Seria o terceiro em apenas 32 anos de democracia. Outra ruptura institucional, após quatro anos da última. Qual regime democrático resiste a isso?