Mortes Administradas

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Ontem, 20, atingimos uma marca triste e histórica de 50 mil pessoas que perderam a vida por conta da Covid-19 no Brasil, segundo informações do consórcio de veículos da imprensa, em seu boletim diário divulgado às 20h. O país registrou 964 novos óbitos nas últimas 24 horas, elevando o total para 50.058. Os casos confirmados, por sua vez, já são 1.070.139, após 30.972 novos diagnósticos no último dia.

O Brasil é hoje o segundo país do mundo em números de mortes e casos confirmados em decorrência da doença — sozinho, é responsável por cerca de 12% dos diagnósticos pela doença no planeta, de acordo com dados da Universidade Johns Hopkins. Os Estados Unidos continuam a ser o país mais afetado pelo novo coronavírus, com mais de 2,2 milhões de diagnósticos e 119 mil óbitos. A questão é que, há semanas, no Brasil o número de óbitos diários por Covid é, no mínimo, o dobro dos registros americanos. O que nos leva a pensar que, neste ritmo, em breve, o Brasil poderá ultrapassar os Estados Unidos, tornando-se, infelizmente, o primeiro em número de mortes nesta pandemia do novo coronavírus.

A diferença entre nós e o resto do mundo é que, aqui, com o número de contágio elevado, sem variação de queda, e o quantitativo de mortes acima de mil por dia, na média, estamos flexibilizando todas as medidas de isolamento social. O comércio voltou a funcionar com restrições – via decreto, mas que não há a garantia que siga as orientações à risca e até mesmo que os governos consigam fiscalizar. Países europeus que foram o epicentro da pandemia, em especial, Itália, Espanha, França e Reino Unido, já iniciaram suas flexibilizações, mas as fizeram (de acordo com cada país), seguindo rigorosas regras, além de que, com o isolamento social sendo praticado e respeitado pela ampla maioria dos cidadãos desses países, isso acelerou o retorno, pois os casos de contágio e mortes, despencaram.

Mas o Brasil, sendo Brasil, seguimos direções diferentes. O governo Jair Bolsonaro desde o início relativizou a pandemia e foi contra as medidas de isolamento social. A economia – segundo o presidente – era mais importante, pois matava mais. Coube, portanto, aos governadores e prefeitos, a responsabilidade em criar restrições e colocar em prática o isolamento social. Mesmo com todas essas medidas (que evitaram sim número maior de mortos), o Brasil tem hoje um cenário desolador de mortalidade pelo vírus. Nunca antes, morreu tanta gente no país em um intervalo tão pequeno. São 50 mil mortos em apenas três meses.

O cenário ainda pode ser muito pior. Segundo dados tabulados do Sivep-Gripe, sistema utilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), pouco mais de 21 mil óbitos estão sob suspeita (em processo de investigação) de terem sido causadas pelo novo coronavírus, mas que não constam nos dados de mortos por Covid. Essas mortes foram atribuídas, ao menos por enquanto, à Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).

E, mesmo assim, as flexibilizações avançam pelo Brasil, sem ao menos a preocupação – por parte dos governantes – com a chamada “segunda onda”, quando ao se flexibilizar, ocorre grande quantitativo de infectados e, consequentemente, mortes. Em vários países esse segundo pico de contágio aconteceu. Aqui, infelizmente, instaurou-se o que chamo de “mortes administradas”, ou seja, o atual quantitativo (média de mil por dia) de óbitos, parece ser algo natural, faz parte, passou a compor a realidade, o cotidiano. Um patamar de mortes encarada como produto da pandemia, algo que não se pode evitar.

E, desta forma, continuamos, cotidianamente administrando mortes, acompanhando os boletins, que não nos causa indignação, pois nos acostumamos com eles. Atingimos a triste marca de 50 mil mortes, 50 mil histórias, vidas, sonhos, desejos, pretensões, projetos interrompidos, etc, se foram. Caminhamos para sermos, em breve, o número um no mundo em óbitos por Covid, tudo isso “administrado” pelos governantes.

Conforme escrevi recentemente: “Banalização da Morte” (Leia aqui) a vida nunca teve o seu devido valor no Brasil, mas, agora, ela nunca valeu tão pouco. E isso tudo sem ministro da Saúde há quase dois meses.

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