Ontem, 23, em Lima, capital do Peru, o Flamengo conquistava pela segunda vez o título da Copa Libertadores da América, depois de um longo jejum de 38 anos. Um jogo histórico, decidido nos últimos minutos a favor do time brasileiro, quando todos (inclusive flamenguistas) já davam-se por derrotados. O River Plate vencia pelo placar mínimo até os 43 minutos do segundo tempo, quando o time brasileiro – através de sua estrela maior – empatou o jogo, com gol feito pelo atacante Gabriel Barbosa, chamado de “Gabigol”.
Àquela altura o empate já estaria de bom tamanho ao Flamengo, que decidiria a sorte no tempo extra, ou seja, na prorrogação, com a possibilidade de penalidades. Mas como o futebol é apaixonante por suas variantes, diversas possibilidades; aos 47 minutos da segunda etapa, quando a prorrogação era algo inevitável, esperada; Gabriel em um lance que disputou a bola com dois jogadores do time argentino, em falha de ambos, o brasileiro ficou com a sobra e bateu forte, no canto, para virar o placar a favor do Flamengo, o segundo gol do atacante. O time rubro-negro comemorava o seu segundo titulo da competição de futebol entre clubes mais importante do continente.
O ápice e, talvez, o mais inusitado, promoveria Barbosa fazer um “Hat-trick” (sigla em inglês para um fato ou lance ocorrido três vezes em algum esporte), neste caso, aqui de forma metafórica. Ao fim do jogo, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, entrou no gramado do estádio Monumental e se dirigiu ao atacante flamenguista; ao chegar perto, resolveu se ajoelhar como ato de saudação ao atleta, o que foi rapidamente reprovado por Gabriel, deixando o mandatário fluminense no vácuo. O ato logo repercutiu pelo mundo, fazendo Witzel passar vergonha em escala mundial. Claramente, o governador cria se promover, “surfar” na onda flamenguista. Puro oportunismo político. Gabriel percebeu isso, e se afastou. Teria feito isso por discordar de tal postura? Por não comungar da forma como Witzel faz política? Terá a mesma reação caso encontre o presidente Jair Bolsonaro? Como disse mais cedo em meu Twitter, ao fazer a chamada para este artigo: o ato seria uma atitude de represália à crise entre os dois agentes políticos (governador e presidente), neste caso, em defesa de Jair?
Esse tipo de ação, a de usar o futebol para se promover ou se tornar popular não é novo. Sobre isso, o cientista político, escritor e comentarista, Sérgio Abranches escreveu: “Esse assédio da política não é privilégio do futebol. As Olimpíadas sempre foram a predileção da diplomacia do esporte. Exatamente porque a variedade de modalidades dá chance a quase todos os países a sair delas com uma medalha, mas assegura a supremacia das grandes potências esportivas, que investem nos esportes olímpicos como em armas ou nas sua vocações produtivas. Durante a Guerra Fria, Estados Unidos e URSS disputavam medalhas com o mesmo empenho que competiam por ogivas nucleares ou foguetes espaciais. China e Cuba buscavam o destaque olímpico para mostrar as vantagens de suas vias socialistas para o desenvolvimento. A Europa atirava-se na competição, para defender a supremacia de suas metades “Ocidental” e “Oriental”.
No caso do Brasil, jingle como ” Noventa milhões em ação, Pra frente Brasil
Do meu coração…” – marcou o tricampeonato da Seleção Brasileira, em 1970, na ditadura militar. No entanto, o jingle fez sucesso gigante e acabou atraindo a atenção do presidente Emílio Médici. A música virou propaganda do regime militar e o presidente aproveitou-se da euforia nacional para investir pesadamente em campanhas publicitárias patrióticas. Após o tricampeonato em 70, frases de caráter nacionalista e xenófobo inundaram as mídias brasileiras, como ninguém mais segura este país e Brasil, ame-o ou deixe-o.
O jornalista esportivo, Robert Born, afirma: “A ditadura realmente foi o prato cheio para os governantes utilizarem do futebol para melhorar a opinião pública sobre os políticos. Não que até hoje isso não seja usado. E foi justamente durante a ditadura que inúmeras figuras futebolísticas foram publicamente contra o regime. João Saldanha, que montou o time da Copa de 1970, foi demitido sem muitas explicações após dizer que presidente Médici não deveria se meter na escalação de quem vai pra Copa”.
E Sócrates, ídolo do Corinthians, acabou por tornar-se um ídolo do país inteiro quando houve o movimento das Diretas Já, que, em 1984, chamou atenção para o movimento que buscava as eleições diretas para a presidência, ou seja, querendo o fim da ditadura militar. O próprio ex-presidente Lula, se utilizou do esporte, quando vinculou a sua imagem às conquistas para o Brasil em ser sede da Copa do Mundo e Olimpíada. Além disso, o petista sempre esteve ao lado do Corinthians, quando o time paulista ganhava quase tudo que disputava. O atual presidente Jair Bolsonaro, tornou figura cativa em estádios, pois a exemplo de outros, tem utilizado o futebol como trampolim de popularidade desde que se elegeu.
A recusa de Gabriel Barbosa em aceitar a referência feita por Witzel é só mais um capítulo nesta relação entre política e esporte, em especial o futebol. O seu terceiro gol foi uma obra prima, não sendo o mais importante (na questão do futebol, resultado, título), mas foi o mais emblemático, sob o ponto de vista político e a relação do futebol com o poder.