Em junho deste ano, durante uma sessão solene, realizada na Câmara Municipal de Parauapebas, alusiva ao Dia do Evangélico, o prefeito Aurélio Goiano, protagonizou um evento bizarro de intolerância religiosa, especificamente contra as religiões de matrizes africanas, insinuando que seus praticantes se arrependessem para não irem pro inferno.
A declaração, absolutamente intolerante, caiu como uma bomba. Imediatamente, de todas as partes e lugares do Brasil, choveram críticas à conduta criminosa do prefeito. A OAB, subseção Parauapebas, a deputada estadual Lívia Duarte (PSOL) protocolar a denúncias formais contra o prefeito junto ao Ministério Público e à Defensoria Pública. Entidades sindicais, coletivos de igualdade racial pelo Brasil manifestaram-se em repúdio. A Câmara, palco dessa atrocidade, reagiu rapidamente e criou o Dia Municipal das Tradições das Raízes Africanas e das Nações do Candomblé. A lei foi instituída para promover o respeito às manifestações culturais e religiosas locais. Parauapebas tem uma comunidade ativa ligada às manifestações culturais e religiosas africanas.
Agora, um despacho recente do Ministério Público do Pará expôs um problema que a gestão municipal de Parauapebas tenta, repetidamente, varrer para debaixo do tapete: o tratamento privilegiado dado pela Prefeitura a determinadas religiões, em detrimento de outras, especialmente às de matriz africana — historicamente alvo de discriminação e invisibilidade institucional.
A investigação teve início após denúncia apresentada por Mãe Vanessa de Oxum, dirigente do Templo Águas de Oxum (TAOX), que relatou exclusão sistemática e negativa de apoio por parte do recém-criado Departamento de Assuntos Religiosos (DARP). Segundo ela, os pedidos de colaboração para eventos foram ignorados ou negados sob justificativas “meramente administrativas”.
Contudo, ao analisar as respostas oficiais e o material divulgado pela própria Prefeitura, o Ministério Público encontrou uma contradição evidente: enquanto o Município afirma não apoiar financeiramente nenhuma religião, no site institucional e no Instagram do DARP aparecem registros de apoio, presença e promoção de eventos de matriz evangélica e católica, com participação de agentes públicos, equipamentos e estrutura municipal. Ou seja: o discurso é de neutralidade; a prática é de favorecimento.
Incoerência que salta aos olhos
O promotor Alan Pierre Chaves Rocha, responsável pelo caso, enfatiza que não há qualquer registro de ações equivalentes voltadas às religiões de matriz africana, nem planejamento do DARP para promover igualdade religiosa ou combater o racismo religioso — obrigação básica de um órgão criado exatamente para isso.
A situação é tão grave que o Procurador-Geral do Município tentou arquivar o caso. Não conseguiu. Os documentos mostram uma realidade incômoda demais para ser ignorada.
Diante do conjunto de evidências, o MP determinou a conversão da Notícia de Fato em Procedimento Administrativo, passo que só ocorre quando há material suficiente apontando irregularidade ou, no mínimo, forte indício de atuação discriminatória.
O que o MP exige agora:
O DARP terá cinco dias para apresentar um planejamento formal de atuação contendo:
• diretrizes claras;
• metas verificáveis;
• ações concretas para promoção da igualdade religiosa;
• medidas de enfrentamento à discriminação;
• comprovação de tratamento isonômico entre todas as manifestações de fé.
Ou seja, o que deveria existir desde o primeiro dia de funcionamento do Departamento.
O que está em jogo
Para além da disputa simbólica, o caso revela um problema estruturado: uma Prefeitura que cria órgãos, divulga discursos modernos e pluralistas, mas na prática governa segundo conveniências políticas, privilegiando grupos alinhados e abandonando setores historicamente vulneráveis.
A laicidade não é um detalhe decorativo na Constituição — é um pilar democrático. A Prefeitura de Parauapebas, portanto, terá de explicar por que razão sua política religiosa parece tão seletiva.
O Ministério Público já deu o recado: não há mais espaço para maquiagem institucional. A sociedade agora aguarda as respostas — e, principalmente, as mudanças.
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