Lançado há três dias na Netflix, o documentário “Democracia em Vertigem” está gerando grande repercussão. Sua produção (independente da visão ideológica e partidária de quem o assiste) é elogiável. Há um cuidado na reprodução sequencial dos fatos, e que são intercalados com certo apelo emotivo.
Para entender melhor, se faz necessário primeiramente conhecer quem é a sua idealizadora e produtora: Petra Costa. Ela é uma cineasta brasileira, membro da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood desde 2018. Dirigiu os filmes Olhos de Ressaca, Elena, Olmo e a Gaivota, antes de Democracia em Vertigem. Seus filmes são conhecidos pelo caráter ensaístico.
A referida obra foi construída sob uma visão de Petra. Essa construção foi feita tendo como base a sua própria questão familiar. Ela é filha de Manoel Costa e da jornalista e socióloga Marília Andrade. É também neta de Sérgio Andrade, um dos fundadores da construtora Andrade Gutierrez. Nos anos 1970, seus pais foram militantes de esquerda, ligados ao PCdoB e, especialmente, a Pedro Pomar (1913-1976), a quem homenagearam dando o nome de Petra à sua filha.
Se fez necessário tal apresentação, para que fique claro a posição de quem criou tal obra. Não para desmerecê-la, mas para que se possa entender o seu conteúdo e direcionamento. E, repito: isso em nada desmerece o documentário.
Dito isto, vamos aos fatos: “Democracia em Vertigem” é uma autocrítica do PT. Mostra sequencialmente os motivos que levaram Lula e seu grupo ao poder, o que fizeram (ou deixaram de fazer), até a derrocada do partido, com o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.
Em 31 de agosto do referido ano, Dilma Rousseff desceu pelo tapete vermelho do Palácio da Alvorada, sua residência oficial, cercada por um séquito de apoiadores. Estava preparada para fazer seu último discurso público como mandatária do Brasil. Chegava ao fim, dois anos antes da hora prevista, a presidência da primeira mulher eleita pelo país. Era o ato final de um período de turbulência que se arrastava havia anos.
O blog vem tratando desde 2015 (em outra plataforma) sobre os motivos que levaram à queda do PT. Erros políticos estratégicos, na condução da articulação, da regulamentação da mídia e o principal: o afastamento da base (tecido social) que levou o partido ao poder. Lula teve culpa em todos esses apontamentos (algo que o próprio documentário apresenta).e que com Dilma só piorou.
Costa mostra que além dos erros do Partido dos Trabalhadores, ocorreu um movimento político, com bases fincadas na Justiça, nas ruas e o parlamento para tirar o PT do poder. E que tudo isso aconteceu após as eleições de 2014, após Dilma ter sido reeleita. A chegada de Eduardo Cunha à Presidência da Câmara dos Deputados, foi o início da queda. Conforme dito à época por este blogueiro, o ano seguinte, 2015, o governo não conseguiu governar, até que, os acordos levaram ao aceite do pedido de impedimento. O que se seguiu já é do conhecimento de todos.
Entre os capítulos da novela do impeachement, Petra relaciona em um interessante movimento temporal de vai-e-vem, a questão da chegada ao poder de Jair Bolsonaro. A Lava Jato atinge diretamente a classe política do país, então a bipolaridade entre PT e PSDB se desfaz e abre-se caminho para uma nova via: o bolsonarismo. É assim que o fenômeno Bolsonaro se forma. Com as vias livres, o capitão reformado chega ao poder, numa conciliação que atendeu a uma direita defensora da democracia e a extremistas que rogavam pela volta dos militares.
“Democracia em Vertigem” é uma obra importante e que será de grande valor no futuro. Ajudará a entender melhor o passado, e o que o país viveu. Ao presente ele é o registro do que ocorreu. Inegavelmente, a democracia foi rompida e a sua fatura ainda não terminou. Pagamos caro ainda por isso.