Vertente literária, cinematográfica e televisiva, a distopia consiste na representação de uma história que se passa em um mundo e em uma sociedade paralelos aos atuais. Normalmente, estão ambientadas num futuro imaginado, em que há influência da tecnologia (seja o avanço, seja o atraso) e das ferramentas de controle governamentais (em sua maioria mais autoritárias). O termo também pode referir-se a um lugar ou estado imaginário em que se vive sob condições de extrema opressão, desespero ou privação.
Acompanhando o cotidiano, percebe-se que tal postura se propaga em alta velocidade em grandes e variadas camadas sociais no Brasil. Pessoas defendendo o indefensável, como tortura, regime autoritário. Negando a ciência, pesquisa, base de dados, estudo, leitura. O estado paralelo do negacionismo se impõe, e sem constrangimento. E isso tudo sustentado por informações falsas, muitas delas sem nenhum fundamento, mas que são propagadas como se verdadeiras fossem. E acabam até, infelizmente sendo, agravando ainda mais esse mundo paralelo em que muitos estão vivendo e que rivaliza com o real.
Milhões de brasileiros vivem em distopia. A era da pós-verdade, em que tudo passa a ser reconstruído ao entendimento de cada um. O que justifica – sem base nenhuma científica – ir de encontro as recomendações, por exemplo, da Organização Mundial da Saúde (OMS)? De especialistas que possaram décadas estudando, que tem experiência e trabalhos reconhecidos em determinadas áreas? Como aceitar que uma narrativa de rede social, sem base técnica que a fundamente, se sobrepõe ao que já foi testado e há alicerces teóricos que o sustenta? Como defender ir por caminho diferente ao que a esmagadora maioria dos países estão adotando no combate à pandemia do novo coronavírus?
Esse universo paralelo conseguiu ter abrigo no que se chama de Bolsonarismo. A esmagadora maioria de quem é distópico no campo político, defende o presidente Jair Bolsonaro. O próprio mandatário nacional, parece viver em outra dimensão diferente da nossa. Essa turma defende o fechamento do Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal; outros mais radicais o retorno do regime de exceção. Querem impor o que chamo de terraplanismo republicano, ou seja, um só poder e não mais os três. Para esse estado distópico, os poderes legislativo e judiciário são dispensáveis.
A distopia à brasileira é algo perigoso, pois atenta contra as leis, a ordem, o Estado de Direito, aos poderes constituídos e o que mais se mostrar racional. E isso apenas no achismo ou em pós-verdades impostas que não se sustentam no primeiro debate, mas que se propagam como vírus, alimentando narrativas das mais absurdas possíveis.
A ignorância, além da falta de ética e moral, alimentam esse mundo paralelo. A distopia não é uma exclusividade brasileira, ela existe em dezenas de países, mas aqui tal universo paralelo criou bases surreais e perigosas. O desafio é enfrentar tal irracionalidade.