No calor deste “Novo Brasil” (cada vez mais com cara de velho), soluções mal pensadas e afobadas surgem como salvadoras em diversos campos. Hoje falarei do novo fenômeno do povo das “soluções fáceis para problemas complexos”; as escolas militarizadas. Favor não confundir com as escolas militares, ok? Aliás, uma parte deste texto será justamente para evidenciar a diferença entre esses dois termos.
Hoje, na câmara municipal, foi apresentado um projeto sobre militarização no ensino. Uma bobagem sem tamanho, na minha opinião. E já lhes direi o porquê. A primeira escola que eu estudei na vida foi em uma escola federal, militar, da Aeronáutica. Meu pai trabalhava no Hospital da Aeronáutica e minha tia no Quartel General da Aeronáutica. Meu avô também trabalhou no Quartel e todos eram civis. E devido a esses cargos, eu pude estudar na referida escola. Vejam: no tempo que eu estudei lá, ela era uma das TRÊS MELHORES ESCOLAS DO PAÍS.
A vice-diretora, de nome Emilinha, andava com uma revista, acho que uma Veja, debaixo do braço e não cansava de mostrar a quem quisesse (e a quem não quisesse também) a matéria com esse tal ranking. Ocorre que essa escola não era tão boa APENAS por ser militar; aliás, nenhum dos meus professores era militar, que eu me lembre.
O que a fazia tão boa era a excelência do serviço prestado e a qualificação da mão-de-obra empregada. A gente entrava às 07h e saía às 12h. Sim, cantávamos os hinos (nacional, estadual, às vezes o da Bandeira e algum outro, conforme o calendário exigisse). Gente, eu sabia de cor TODOS os hinos pátrios do Brasil, além dos hinos do Exército, Marinha e obviamente, o da Aeronáutica, né. Mas vocês acham que isso apenas garantiu seu título de TOP 3 no país? Cantar hinos? Vestir fardas?
Nós, os alunos, DESDE CEDO, além da grade normal, tínhamos aulas de francês, espanhol e inglês. Éramos obrigados a frequentar a biblioteca (enorme) da escola, que era um prédio separado, por sinal. Lembro-me que quando eu troquei esta escola por uma outra, muito tradicional em Belém, fiquei chocado em ver que alguns assuntos que eu estava vendo naquele ano, eu já tinha visto no ano anterior, na outra escola. Voltávamos a tarde pra escola (14h) pra termos aulas de Educação Física, “Artes do Lar”, onde aprendíamos a fazer bolo, café, passar roupa, primeiros socorros, costurar (tirei zero fazendo uma bermuda longa que no fim, parecia uma sunga de tanto que eu errava e cortava, rs), tirar pressão, usar um termômetro, arrumar a cama… também em “Artes Industriais”, aprendíamos o básico de eletricidade (trocar lâmpadas, fusíveis, reatores), lidar com madeira (serrar, polir, envernizar) cerâmica e tipografia (produzir um jornalzinho como uma das gráficas antigas) e assim, terminava o dia (18h).
Ah, também tínhamos a aula de “Técnicas Agrícolas”, onde todos os alunos tinham que trabalhar na horta da escola que para conhecimento dos leitores, abastecia tanto o colégio como o quartel-general, que ficava ao lado, por sinal. Média alta para passar de ano, sem “jeitinhos”. Enfim, rigor!
E sabem de uma? Eu nunca tive um único professor militar lá. Todos os meus professores e instrutores eram civis (pelo menos comigo foi assim). O que eu quero dizer com isso? Que não basta colocar um militar na direção de uma escola para o “milagre” da educação de qualidade acontecer.
Vocês, pais, que sabem o valor das mensalidades que pagam das escolas particulares de seus filhos; vocês, pais de filhos em escolas públicas, sempre às voltas com problemas de estrutura e greves, me digam: QUANTO vocês acham que uma escola hoje cobraria para ter o padrão que eu descrevi a vocês? E no caso das públicas: qual o investimento necessário para transformar as escolas de um município para que elas possam oferecer um serviço semelhante ao que eu descrevi acima?
Para sermos justos, temos que observar uma coisa: essas escolas são tão boas porque são exceção; em Belém mesmo, minha cidade natal, eu lembro de duas: a que eu estudei, da Aeronáutica e o CIABA, uma referência no BRASIL TODO em excelência. Forma oficiais da Marinha Mercante. Comparar esses modelos é injusto e maldoso. Ah, e nas academias militares, o regime é de INTERNATO, com toda a estrutura pedagógica, física, de saúde, odontológica, etc… você já sai de lá, instruído, empregado, um ilustre OFICIAL de nossas forças armadas.
Foi neste tipo de escola que nos ensinaram a não aceitar respostas sem explicações; onde eu estudei amigos, a resposta era menos importante que a explicação. Lá, se estimulava a leitura, o pensamento crítico e o debate de ideias. Se eu devo minha “linha ideológica” a alguém, certamente, meu colégio tem muita participação em me formar no que eu sou hoje. Um pensador crítico, metódico e lógico. Bem ao estilo de uma escola com especialização em “Ciências Exatas”, claro.
Políticos inescrupulosos e empresários sem caráter, têm oferecido a militarização como “solução” para o problema da educação e isso não podia ser mais enganoso. Uma escola ruim vai ser uma escola ruim vestindo qualquer farda. Um professor ganhando mal vai querer sim, grevar e também não vai ter dinheiro pra se aperfeiçoar. Um educador ruim não vai se transformar por mágica em um super professor apenas porque vestiu uma farda. Uma sala de aula caindo aos pedaços oferece perigo aos alunos, INDEPENDENTE de ser um civil ou um militar que esteja dando aula.
É necessário investir nos profissionais de educação; valorizá-los, capacitá-los. Dar estrutura, criar um ambiente favorável aos alunos e pais. Escolas públicas têm um problema a mais: são governadas por políticos; e eu pergunto QUAL político quer ter em seu mandato os piores índices de aprovação de alunos? Por isso, o importante é passar, dizer que na gestão tal, os alunos renderam mais, melhor… Nosso problema é estrutural. É demagógico. É eleitoreiro….
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