Imunidade parlamentar: do Império ao dias atuais

A PEC da Blindagem, aprovada pela Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (17), estabelece que processos contra congressistas só poderão avançar com autorização da própria Casa Legislativa, mesmo em casos de crimes comuns. A proposta reacendeu o debate público sobre um tema controverso: a imunidade parlamentar.

Atualmente, a imunidade parlamentar é entendida como o conjunto de direitos que garante a deputados e senadores proteção contra processos judiciais e responsabilidades civis ou criminais pelo que dizem ou votam no exercício do mandato. Mas, isso nem sempre foi um consenso. Veja a seguir como a imunidade parlamentar funcionou ao longo da história política brasileira:

Brasil Império – ideia que vem do berço

A Constituição de 1824, a primeira do Brasil e outorgada por D. Pedro I, instituiu a monarquia e é considerada o marco inicial da política brasileira. A Primeira Carta Magna faz menção ao direito de imunidade parlamentar, inclusive para congressistas contrários ao regime. Os artigos 26, 27 e 28 estabeleciam que:

  • As opiniões proferidas pelos parlamentares durante o exercício da função eram invioláveis;
  • Nenhum parlamentar poderia ser preso por outro poder, exceto com autorização da respectiva casa legislativa ou em caso de prisão em flagrante;
  • Cabia à respectiva casa legislativa autorizar a continuidade do processo e decidir sobre a suspensão ou não do congressista.

Ou seja, cabia apenas à casa legislativa do parlamentar decidir sobre seu destino judiciário.

Brasil República – liberalismo em ação

A Constituição de 1891 instaurou a República no Brasil, mantida, com alguns intervalos, até hoje no Brasil. Fortemente inspirado em ideais liberais da Revolução Francesa e do federalismo norte-americano, o país instituiu um modelo democrático e manteve mais firmemente ainda a imunidade parlamentar.

O direito garantido pela Constituição de 1891 seguia, em linhas gerais, o modelo da Constituição de 1824:

  • Parlamentares tinham inviolabilidade civil e penal,
  • Só poderiam ser presos com autorização da respectiva Casa Legislativa,
  • A única exceção prevista é em caso de flagrante de crime inafiançável.

Nessa última situação, a Casa deveria ser informada imediatamente e decidir sobre a continuidade ou suspensão do processo.

Revolução Constitucionalista – mudança e pressão popular

A Constituição de 1934 marcou avanços importantes no Brasil, como o voto feminino e direitos trabalhistas. Resultado da Revolução Constitucionalista, o texto buscou restaurar a democracia, limitar o poder do Governo Provisório de 1930 e consolidar a liderança de Getúlio Vargas diante da pressão por reformas políticas e sociais. Nela, a imunidade parlamentar também perdurou e, adivinha? Sob o mesmo formato estabelecido pelas outras Cartas.

Estado Novo – Vargas e restrições

Em 1937, o Brasil vivia sob o Estado Novo, um regime ditatorial que durou 15 anos. Pressionado por instabilidade, ameaças de golpes e conflitos entre forças políticas, Vargas implantou um regime autoritário, fechou o Congresso, outorgou uma nova Constituição e concentrou poder executivo quase absoluto, dando início a uma fase de forte centralização e controle estatal.

Diferente das anteriores, esta Carta responsabiliza civil e criminalmente os parlamentares por falas e discursos durante o exercício da função, independente de autorização das respectivas Casas.

Redemocratização – trégua antes da tempestade

Com o fim do Estado Novo, o Brasil promulgou uma nova Constituição. Em 1946, após o suicídio de Vargas, Eurico Gaspar Dutra tomou posse e instaurou um clima de liberdade política após anos de regime autoritário.

A nova Carta retomou o teor democrático da República e incluiu novamente a imunidade parlamentar sob os mesmos moldes nos quais vinha sendo exercida antes da ditadura.

Regime Militar – censura e perseguição

Em 1964, o Brasil entra em um período de ditadura militar que dura até 1985. A Constituição de 1967 consolidou o poder dos militares, restringiu liberdades políticas e fortaleceu o controle sobre o Legislativo.

Apesar de mantida na teoria, a imunidade parlamentar enfrenta muitos desafios práticos. A autonomia do Congresso era frequentemente afrontada pelos poderes exacerbados do Executivo. O Ato Institucional 5 (AI-5), autorizava a suspensão de mandatos e direitos políticos, restringindo, se não praticamente aniquilando, a imunidade.

Segunda Redemocratização – democracia em avante

Em 1985, o Brasil iniciou um processo de retorno à democracia plena. Este momento é marcado pela eleição indireta de Tancredo Neves e, após seu falecimento, a posse de José Sarney.

Em 1988, é promulgada a Constituição Cidadã, vigente até hoje. Em um clima de proteção da autonomia do Poder Legislativo é estabelecida de forma clara a imunidade parlamentar, garantindo aos deputados e senadores proteção legal no exercício do mandato. A prisão só poderia ocorrer em delito flagrante para crimes inafiançáveis.

Emenda Constitucional n35 – nova percepção

Em 2001, em um contexto político repleto de casos e denúncias de corrupção por parte de parlamentares, a Emenda Constitucional n35 aparece. Desde 1988, a imunidade parlamentar funciona da seguinte maneira:

  • Proteção legal: deputados e senadores têm inviolabilidade por opiniões, palavras e votos no exercício do mandato;
  • Prisão: só pode ocorrer com autorização da respectiva Casa Legislativa, exceto em flagrante de crime inafiançável;
  • Controle do processo: cabe à Casa Legislativa decidir sobre a continuidade do processo ou a suspensão do mandato.

Entre 1988 e 2001, de 254 pedidos de investigação submetidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao Congresso, apenas um foi aceito. Por pressão popular e midiática, o Congresso aprovou uma mudança no conceito de imunidade parlamentar na Constituição Federal.

De 2001 até os dias atuais, a inviolabilidade dos congressistas é restrita a opiniões, votos e palavras no exercício do mandato, mas o STF pode instaurar investigações e ações penais sem precisar da autorização da respectiva Casa Legislativa.

No entanto, a Casa ainda pode, por iniciativa de partido político e votação da maioria de seus membros, sustar o andamento da ação, suspender temporariamente medidas contra o parlamentar e decidir sobre a continuidade do processo, enquanto durar o mandato.

Por Congresso Em Foco

Imagem: reprodução 

Henrique Branco

Formado em Geografia, com diversas pós-graduações. Cursando Jornalismo.

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