O que escrever em meio ao negacionismo?

Escrevo virtualmente sobre política há 14 anos. Comecei após a insistência de um amigo que, talvez, cansado de meus comentários em relação ao cenário político do país, disse que seria interessante transformar essas narrativas em textos. E assim fiz, em 2006, iniciando no site Terra. Na época, iniciava no Brasil, a febre de blogs; portanto, os maiores sites abriam possibilidade do cidadão comum, sem melhor domínio da escrita (ainda um desafio ao sistema educacional brasileiro), pudesse ter um espaço para escrever sobre o mais variados assuntos.

Lembro-me bem. O primeiro texto foi sobre as ações do chamado “Primeiro Comando da Capital” (PCC), este formado por presidiários, e que surgia nas casas de detenção daquele ente federativo, criando um poder paralelo ao Estado. O governador da época era Carlos Lembo, que ficou no comando do Palácio dos Bandeirantes por pouco tempo (um ano); assumiu quando o então governador Geraldo Alckmin se candidatou à Presidência da República, em 2006. Lembo, logo de cara, mal tinha sentado na cadeira mais importante do estado de São Paulo, e já tinha que resolver um grande problema: crise na segurança pública.

Sinceramente, não tenho mais o tal texto. Deveria tê-lo guardado, pois foi o primeiro, e serviria, por exemplo, para mostrar o processo de evolução no qual passei dentro da produção textual. O perdi, infelizmente, a exemplo de outros que também se perderam ao excluir uma determinada plataforma e criar outra, sem antes salvar. Para a minha surpresa – apesar de muitos erros ortográficos – o texto teve boa repercussão. Dezenas de comentários foram deixados pelos que o leram. Para um anônimo, em seu primeiro texto (mesmo mal escrito), a repercussão foi uma carga considerável de otimismo e, por que não, de confiança?

Escrever sobre política sempre foi um prazer, por isso, faço há anos e pretendo continuar sem data de validade. Tenho a pretensão de envelhecer escrevendo, até quando tiver forças para tal produção. O ato de redigir ideias e reflexões é algo que até hoje me preenche; serve inclusive de terapia, fuga. Porém, hoje se tornou algo cansativo e até desgostoso. E por quê? Porque o debate não ocorre dentro de uma lógica. Divergências sempre aconteceram e acontecerão, ainda bem que é assim. Já dizia o saudoso Nelson Rodrigues: “Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar”. O que seria das grandes produções sem a crítica? Geralmente a repercussão crítica é o que faz um determinado trabalho ser reconhecido, assim como o seu autor.

Mas em tempos de negacionismo, de pós-verdade, o que é ou se torna crítica? A de formato construtiva, está cada vez mais escassa. Hoje tudo que se escreve é motivo de crítica, e do pior nível. Pessoas que nem chegam a ler o conteúdo, se resumem quase sempre ao título e, a partir dele, o criticam. Atualmente os meus artigos são bombardeados de críticas, e estas regadas a um processo fragrante de depreciação. Ataques pelo simples fato de discordar. E, na maioria das vezes, a crítica vem de pessoas que nem base teórica tem para isso, ou analisam a política de forma apaixonada.

Umberto Eco, escritor e filósofo italiano, resumiu bem o momento que vivemos: “As redes sociais dão o direito de falar a uma legião de idiotas que antes só falavam em um bar depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a humanidade. Então, eram rapidamente silenciados, mas, agora, têm o mesmo direito de falar que um prêmio Nobel. É a invasão dos imbecis”. Exatamente o que vivemos hoje. Eco foi Irretocável.

Hoje quem tem formação, estudo, leitura, se informa sobre um determinado assunto, é suplantado por “especialistas” que aparecem a todo momento, e que tratam de tudo, desmerecem tudo que não concordam e proliferam suas “verdades” por ai. Eles são muitos, e crescem todo dia. A apologia à incompetência avança em uma crescente de adeptos, que a validam, a fazem ter respaldo perante a maioria.

Acompanhar tudo isso cansa a quem escreve, quem lê e se especializa. Ter o trabalho desmerecido por pessoas que não tem a mínima formação, que nem sabem o que falam ou criticam, é duro. Estes se informam por WhatsApp, e, por isso, acham-se especialistas sobre tudo. Mal sabem que apenas reproduzem o que recebem, sem o mínimo de discernimento. Em tempos de pós-verdades, produzir análises é um desafio. Acompanhar críticas de quem nem sabe o que fala, é maior ainda. O que fica como indagação, em meio ao negacionismo intermitente: o que escrever? A lógica parece não fazer sentido.

Henrique Branco

Formado em Geografia, com diversas pós-graduações. Cursando Jornalismo.

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