Depois de três séculos de hegemonia de Minas Gerais, o Pará se tornou, na segunda década do século XXI o maior Estado minerador do Brasil. Muitos paraenses ainda não se deram conta desse fato e o que ele significa; na verdade, nem os brasileiros.
Alcançar essa posição não constitui automaticamente uma glória. Analisando-se o caminho já percorrido pelo segundo maior Estado da federação, com uma área duas vezes maior do que a de Minas, há motivos para preocupação.
Sobretudo pela escala de produção, com uma aceleração fortíssima nos últimos anos. Pela destinação da maior parte dessa produção para o exterior, na condição de commodities, com receita em dólar, que é desviada para outros Estados ou países, sob várias formas. Não mais do que matérias primas e semielaborados, com baixo valor agregado. Dependência exagerada da economia paraense dos minérios (85% das exportações), especialmente do minério de ferro, extraído das maiores jazidas de alto teor do planeta; 60% dele indo para a China.
Na escala de produção máxima definida quando do início da exportação de minério de ferro, que aconteceu em 1985, nos 35 anos de duração até agora dessa atividade, a extração teria sido de 700 milhões de toneladas. Em menos de quatro anos, pela escala de hoje, de Carajás sai produção semelhante. Talvez venha a se registrar ali a mais rápida exaustão da mais rica das concentrações de minério de ferro em todos os tempos.
Em 1730, o feroz governo metropolitano português começou a adotar medidas para conter a extração de diamantes na comarca do Serro Frio, suspendendo a mineração quatro anos depois e só a retomando em 1740. O objetivo era impedir que as praças de Londres e Amsterdam continuassem a ser inundadas pelos diamantes do Brasil, provocando a queda do preço e assim prejudicando o entesouramento em Lisboa.
Reprimindo a cadeia de desvio, que envolvia garimpeiros brancos e escravos negros, ambos reprimidos por igual, e apertando os instrumentos de controle e fiscalização, Portugal sustentou o comércio de diamantes por décadas, como faria com o ouro e o minério de ferro. Atacou os empreendimentos que tentavam industrializar a matéria prima em Minas, legando ao império e à república no Brasil um Estado dependente do ouro, do minério e do café.
Hoje, quando a descoberta da província mineral de Carajás, iniciada pelo geólogo paulista Breno Augusto dos Santos, em 31 de julho de 1967, aos 27 anos de idade, é de se preocupar com a ampliação da escala de produção do mais importante conjunto mineral de alto teor do mundo. Da escala de 25 milhões de toneladas anuais para 230 milhões, esses números dão a dimensão do cliente principal dessa preciosidade. Era o Japão. Agora é a China, a maior promessa (ou ameaça) de substituição imperial aos Estados Unidos. E nós, desempenhando um papel complementar dessas superpotências.
Pode parecer que o Pará está tirando vantagem da sua posição nesse contexto. No próximo ano, pela primeira vez na história do Estado (e da Amazônia toda), um município do interior terá direito a uma participação maior do que a da capital na divisão da receita do principal imposto estadual, o ICMS.
A cota que caberá a Parauapebas, em cujo território está a província mineral de Carajás, será de 14,918% do total, enquanto para Belém estão previstos 11,072%. A população de Parauapebas, de 230 mil habitantes, é sete vezes menir do que a da capital. O PIB per capita de Belém é de R$ 23 mil e o de Parauapebas é de R$ 78 mil.
Uma capital pobre abriga o município que é o maior exportador do país. Esse paradoxo vai se agravar ainda mais. Canaã dos Carajás, onde a mineradora Vale produz cobre e níquel, além de ferro (na mais valiosa de todas as minas), já tem um PIB per capita de R$ 197 mil (com uma população de 50 mil habitantes).
Apenas os três municípios (num total de 114, com população que se aproxima de 10 milhõe) mais importantes sob a influência direta de Carajás (Parauapebas, Canaã de Carajás e Marabá) ficarão com quase um terço da cota-parte destinada aos municípios na arrecadação de ICMS do próximo ano no Pará. Em contraste, a participação dos demais municípios também atingidos pela exploração de minério de ferro é residual. Como Ourilândia do Norte (0,580%), Curionópolis (0,464%) e Eldorado (0,276%).
O Estado tem que criar um fundo de equalização para beneficiar todos os municípios que, apesar de estarem no âmbito dos grandes projetos (como Belo Monte, Tucuruí, mineração de bauxita), têm um rendimento literalmente marginal nessa renda, que tem sido reduzida pelos efeitos da lei Kandir. Efeitos que continuarão relativamente ativos até a União concluir as compensações e a geringonça legal for extinta.
Alguns estudiosos de Carajás costumam explicar esquematicamente a sua origem como mais um capítulo do avanço de nações estrangeiras sobre riquezas naturais de países subdesenvolvidos (ou do Terceiro Mundo, ou dependentes). O resultado final pode até ser esse, mas é muito mais complexa a trajetória percorrida até que a busca por essas riquezas se incorpore aos fluxos de produção em escala maior.
Intelectuais que se dizem porta-vozes da história, ao reconstituí-la de forma tão estreita, minimizando o conhecimento dos fatos e o que há de específico neles, contribuem – mesmo involuntariamente – para manter (ao invés de romper, que seria a sua intenção) as relações de subordinação e dependência entre a periferia e o centro mundial. Negam, portanto, as mudanças possíveis mesmo diante de estruturas sólidas de poder dominante.
Se for assim, o Pará estará condenado a um futuro ruim se não tomar consciência do significado histórico da mineração, da situação concreta da atividade nos nossos dias e dos deságios que precisará enfrentar para que o Estado não seja vítima de um tipo de maldição que a mineração acarreta para quem, olhando até onde vai o seu nariz, não perceber em tempo que minério não dá duas safras.
Fonte: Lúcio Flávio Pinto.