Há 38 anos, em uma escola católica, era fundado o Partido dos Trabalhadores. Em seu “Manifesto de Fundação”, o partido rejeita os decadentes modelos chinês e soviético, abraçando o socialismo democrático.
Originalmente, o partido pretendia atuar apenas na esfera sindical, mas como o movimento sindical ainda era em boa parte influenciado pelo Estado (via CGT), líderes de esquerda anti-stalinistas almejaram viabilizar um partido de acordo com seu viés socialista-democrático. Artistas, líderes sindicais e líderes religiosos uniram-se para criar o PT.
Lula já era uma liderança entre eles e via cada vez mais próximo o seu sonho de se tornar presidente. Após as derrotas para Collor e Fernando Henrique, Lula resolveu se “adaptar” para caber no papel pretendido. Entendam; há muito tempo que o Centro (digamos assim) resolve as eleições. Sempre houve essa polarização esquerda-direita, mas o centro (um pouquinho mais pra lá ou pra cá) sempre exerceu o papel de fiel da balança. E o Centro tinha medo do Lula. Quem lembra dos anos 80 com Lula e seus discursos extremistas e raivosos contra o capital estrangeiro, contra os bancos, contra o FMI? Eu lembro.
O futuro não parecia promissor para Lula em uma época de renovação mundial: queda do Muro de Berlim, fim da URSS.. o mundo simplesmente não queria mais extremistas.
Lula então contratou um marqueteiro e este homem disse: “corte o cabelo, faça a barba, use um bom terno e pare de despejar ameaças aos quatro ventos.” Nascia ali, o “Lulinha Paz e Amor”; amante de boa conversa, pinga e futebol (sempre acompanhado da imprensa, claro).
O PT, em pleitos anteriores, já havia demonstrado sua força, alcançando dezenas de milhões de votos, mas perdendo no final. Faltava tirar voto de alguém e foi pensando nisso que foi dada a sua “repaginada”. Os votos da esquerda sempre irão pra esquerda. Os votos da Direita sempre irão pra Direita. Faltava à Lula a capacidade de arrancar votos do Centro, que somados aos seus votos, lhes dariam a vitória. Com seu novo visual e conversa, aliado ao fim do ciclo FHC, esse sim, imbatível nas urnas (na época), Lula enfim, elegeu-se…
E fez um primeiro mandato glorioso, apoiado na solidez econômica que encontrou no Plano Real que tanto criticou, mas que sensatamente não mudou uma única vírgula. Lula, graças à paz que FHC trouxe à economia do país, pôde fazer o FHC ignorou: cuidar das pessoas. E fez isso magistralmente. Nunca antes o povo pobre e sofrido foi tão bem representado e isso lhe rende frutos até hoje, pois sabe-se que só preso mesmo pra Lula perder uma eleição pra quem quer que seja.
Veio a reeleição e Lula venceu com um “pé nas costas”… mas esse, diferente do primeiro mandato, foi decepcionante. Preocupado apenas em perpetuar sua influência e seu suposto “legado”, Lula mal governou e seu desempenho, embora não tenha sido negativo, foi muito abaixo do primeiro mandato.
E já tomado pela soberba e sentimento de Deus que o tomou, mostrou toda a sua arrogância ao escolher uma desconhecida (no jogo político eleitoral) para substitui-lo. O objetivo foi claro: Lula queria mostrar a todos, que com sua fenomenal popularidade, podia eleger quem ele quisesse!
E assim o fez.. Dilma, que jamais havia disputado uma eleição, simplesmente passou a ocupar o maior cargo de todos: o de presidente do Brasil!
E aí, começaram os problemas… e começaram porque Lula não levou em consideração duas coisas: Dilma não tinha jeito pra ser testa-de-ferro, nem mesmo dele; e inexperiência SEMPRE cobra o seu preço.
Dilma, num primeiro momento suportou dignamente as intromissões de Lula, as entrevistas dando palpite em tudo e as visitas recorrentes; mas uma hora cansou. Dilma queria mostrar a SUA marca (coisa que aliás ela nunca conseguiu) e não apenas ser preposto do ex-presidente. Essa divergência custaria caro mais na frente.
Com relação à falta de experiência, Lula também não tinha tido muita, mas já havia sido Deputado Federal e sempre esteve no centro dos principais acontecimentos políticos do país. E o principal: sua incrível habilidade nata pra coisa; Lula nasceu pra ser líder, isso é fato. Sua habilidade de “encantar serpentes”o permitia manter um monte de cobras por perto e jamais ser picado por elas, até o contrário, às vezes.
Mas Dilma não era Lula… e o PT se viu na estranha situação de em apenas seis anos, sair de 87% de aprovação ao fim do Governo Lula (recorde histórico) para se tornar o Anti-Cristo no período do impeachment. Em apenas seis anos, TUDO pelo que o partido trabalhou, foi absolutamente desconstruído, simplesmente porque Dilma não era Lula. Dilma não soube lidar com as cobras de Brasília. Cobras com mais de 30 anos de política simplesmente a engoliram em um processo jurídico bizarro que culminou com seu impeachment.
O Partido, já infectado pelo seu gigantismo, não parecia em mais nada com o grupo original. Convenhamos, tem jeito de você olhar pra um José Dirceu, um Pallocci e pensar em socialismo? Em povo? O PT perdeu sua identidade (na cabeça; a base sempre se manteve na luta) e criou uma crise de identidade que a Direita soube aproveitar muito bem, apesar de os despreparados da Esquerda insistirem em achar que eles são burros… hoje, ser de esquerda, ser politicamente correto, defender minorias, virou quase um palavrão e isso foi resultado de um extremamente eficiente trabalho de mídia social dos setores mais conservadores da nossa sociedade. Nem na época da Ditadura alguém teria coragem de postar uma foto com uma bandeira racista como o filho do Bolsonaro fez e por isso ficou. Hoje, se fala em exterminar minorias como quem lê uma lista de supermercado; esses são os tempos em que vivemos.
E o fato do PT não dar o braço a torcer do seu papel fundamental nessa derrota da esquerda, mostra que o caminho da reconstrução é longo e espinhoso.
O PT errou; errou ao achar que jamais cairia do pedestal, que suas bandalheiras jamais seriam descobertas (ou apuradas), ao aceitar qualquer um para os seus quadros, ao fazer pactos com o demônio, como no caso do Temer. O PMDB, desde a redemocratização vive parasitariamente. Embora sempre fosse um dos maiores partidos do Brasil, desde 94, com Orestes Quércia, não tinha candidatos à Presidência. Preferia esperar que os outros se matassem e depois vendia seu apoio a peso de ouro para fins de Governabilidade. De todos os Presidentes da República eleitos e empossados a partir de 1985: Tancredo Neves, José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer, somente Lula e Dilma não possuem histórico de filiação ao PMDB e também desde o fim do Regime Militar de 1964 o partido deteve o comando de pelo menos uma das casas do Congresso Nacional e entre 1985 e 1993 presidiu simultaneamente a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, situação que voltou a se repetir para o biênio 2013/2014 e na legislatura de 2015.
O PT foi tão arrogante que colocou uma cobra ao lado da cama, achando que daria conta de controlar. Errou e errou feio. Com Michel Temer de vice, a cama estava armada; faltava apenas deitar nela.
Entendam: eu acho mesmo que Lula devia ser preso e acho que Dilma jamais deveria ter sido presidente. O que eu critico é a forma como aconteceram a prisão e o impeachment. Vou dar um exemplo:
Um cara é um conhecido ladrão de carros. Já roubou centenas de veículos, mas sempre conseguia escapar. Um dia, já cansada, a polícia “planta” um quilo de cocaína na mochila dele e o prende por tráfico. Entendem? Ele merecia estar preso sim, mas não pelo crime pelo qual foi acusado e sim por outros, vários outros. Antes da prisão de Lula, ele tinha quase o DOBRO de intenções de votos que o segundo colocado, Bolsonaro. E isso é muito injusto, pois não representou, de fato, a vontade popular. Bolsonaro sempre vai ser pra sempre o cara que só venceu porque o principal adversário dele estava preso (e o Jair não tem nada com isso, viu?).
Com relação à Dilma, pessoa que eu sempre ANTIPATIZEI, eu realmente me solidarizo com ela; ela foi vítima de um crime covarde, um golpe sem precedentes na história desse país. O assunto das PEDALADAS FISCAIS, que eu já tratei de passagem em outro texto, é um argumento tão fraco e ridículo que mesmo DURANTE o processo de impeachment, ela já havia sido inocentada em todas as instâncias investigatórias que trataram do assunto e mesmo assim, o impeachment prosseguiu.
Culpa da Direita? Lógico que não. Eles viram uma oportunidade e agiram. Precisos, cirúrgicos. Culpa da Esquerda, esfacelada, dividida, antropofágica… uma prova disso foi a recusa de Ciro Gomes em apoiar Haddad no segundo turno.
Ciro pode ter sido egoísta, mas teve razões DE SOBRA pra fazer o que fez. Ele foi sacaneado não uma ou duas vezes pelo PT, mas encontrou a brecha e deu o troco. Ele DEVERIA ter sido o candidato da esquerda unificada; não apenas apoiado no segundo turno, mas o único candidato. Mas não tem quem faça o PT largar esse osso, amigos. Mesmo que precise sacrificar um dos melhores quadros de que o Partido dispunha, Fernando Haddad. Homem brilhante, na missão inglória de ser o cara que ninguém queria. A Direita o desprezava, o Centro desconfiava e a própria esquerda o subestimava. A favor dele, apenas a bênção do “dono” do partido, a essa altura, já encarcerado.
O PT preferiu ver a Direita vencer do que ver uma outra sigla de Esquerda assumir. Se isso não é soberba e arrogância, então eu não sei mais o que é.
O processo de reconstrução do papel da Esquerda no Brasil passa forçosamente pelo PT. Que ele se reinvente ou que suma de uma vez, pois do jeito que está, ele só age em desfavor da causa.