Ontem, 20, Sérgio Moro esteve pela segunda vez no centro do Roda Viva, o mais tradicional programa de entrevista da televisão brasileira. Deste vez, o citado esteve nos estúdios da TV Cultura na condição de ministro de Estado, e não mais como magistrado. Assim sendo, essa mudança de função – por si só – mudaria consideravelmente o formato de perguntas e respostas, ou seja, a dinâmica do programa, pois o entrevistado não estava mais sob a justificativa das amarras que o exercício do juízo antes lhe impunha.
De passagem, vale citar que ocorria na ocasião, a estréia da competente jornalista Vera Magalhães, que passou a ser a âncora do Roda Viva, no ar há 34 anos. O programa já causava polêmica desde o anúncio da participação de Moro, além do fato de que a produção do programa adiantou o anúncio dos jornalistas convidados, bem antes do costumeiro período que costumava-se fazer. Os representantes dos veículos de imprensa que iriam compor a banca, seriam rígidos com o convidado? As perguntas teriam a capacidade de enquadrar o ministro. As questões polêmicas seriam levantadas? Essas indagações pairavam justamente porque não foram convidados jornalistas do The Intercept Brasil, veículo responsável por divulgar vasto material sobre a operação Lava Jato (depois chamada de Vaza Jato), em que o então juiz Moro mantinha estreitas relações com membros do Ministério Público, algo completamente fora de cogitação dentro da esfera jurídica.
O primeiro bloco já começou quente, encerrando as desconfianças de que o embate dialético entre entrevistado e entrevistadores seria algo “leve”, sem gerar polêmicas. Os jornalistas convidados imprimiram ritmo intenso de questionamentos, diversos destes bem incisivos, tendo como base decisões e posturas de Moro quando era juiz. Como exemplo o caso de ter tornado público uma escuta telefônica entre os ex-presidentes Lula e Dilma, e a delação de Antônio Palocci, quatro dias antes da eleição presidencial. Ainda no bloco inicial, Moro foi questionado sobre o caso Marielle Franco, vereadora do Psol, assassinada. Até agora o caso ainda está em aberto; além é claro, da tentativa por parte do Governo Federal, em assumir o caso, tirando-o da esfera estadual fluminense. Moro ao responder aos diversos questionamentos aqui citados, manteve postura calma e produziu réplicas incisivas aos entrevistadores.
No segundo bloco outros temas foram explorados: controle de fronteiras (caso específico da fuga de presos de alta periculosidade de uma penitenciária paraguaia na fronteira com o Brasil); a postura de Moro em relação a casos como o atentado ocorrido na sede da produtora Porta dos Fundos e o vídeo do ex-secretário de Cultura, Roberto Alvim. Nestes casos os questionamentos eram pelo silêncio do ministro. Neste momento, Moro mostrou-se inseguro e produziu respostas inconsistentes. Manteve a mesma postura quando foi questionado sobre os casos de corrupção dentro do governo, ainda mais ele que se coloca como o paladino da ética e do combate à corrupção, tendo notoriedade por esses adjetivos.
Nos outros blocos sequenciais, as peguntas mantiveram esse perfil com assuntos que iam e voltavam à pauta o tempo todo. O que ficou claro: a extrema submissão de Moro ao presidente Bolsonaro. E ela faz sentido e tem método. Está mais do que claro que Moro será candidato à Presidência da República, em 2022. Ou caso não seja, ainda almeja a vaga que será aberta ao fim do ano corrente no Supremo Tribunal Federal (STF), com a aposentadoria compulsória do ministro Celso de Melo. Para ambos ele precisa de Jair Bolsonaro.
Outro ponto analítico relevante na entrevista foi a postura do ministro. Respondeu a todas as perguntas. Em comparação à sua primeira participação no programa (quando ainda era juiz – e tirando para efeito de desempenho comparativo nas respostas, as amarras impostas pela magistratura, como por exemplo, não poder tratar de alguns processos e procedimentos judiciais), neste, Moro esteve muito bem. Tornou-se claramente um agente político. Demonstrou isso na prática em suas respostas. Aprendeu rápido os “traquejos” de Brasília.
O nível de perguntas produzida pela bancada foi de alto nível. Do outro lado tinha um entrevistado muito mais bem preparado, digamos “azeitado”. Um novo Moro está posto. E ele sabe que faz sombra ao presidente. Há diversos caminhos que essa relação entre ambos pode produzir. Bolsonaro, por exemplo, pode eliminar esse “obstáculo” da próxima eleição presidencial, indicando-o para a Suprema Corte; pode, também, convidá-lo para ser o seu vice. Seria uma chapa – para muitos – imbatível; ou enfrentá-lo com a possibilidade de derrota.
O Roda Viva nos mostrou um novo Moro. Muito mais político, e que sabe o que quer. A toga não lhe produz sentimentos de saudade e arrependimento.