Indiscutivelmente a mineradora Vale sempre teve como se diz popularmente “vida mansa” no Pará. Durante a dinastia tucana (governos do PSDB) que durou de 1994 até 2018, sendo interrompida por quatro anos (2007-2010, governo do PT), a multinacional continuou a ter no Pará uma produção em crescimento contínuo, assim como os seus lucros, sem o devido retorno sob o ponto de vista social.
Durante o período citado, três governadores passaram pelo Poder Executivo paraense: Almir Gabriel, Ana Júlia e Simão Jatene, que somaram 24 anos. Nas duas gestões de Gabriel, a mineradora havia prometido ao governo entregar 40 mil casas populares, o que não aconteceu. Dados da época afirmam que nem 10% desse montante foi cumprido. No primeiro governo de Simão Jatene, a Vale passou quatro anos sem ser importunada, mantendo apenas as suas obrigações constitucionais, nada além disso.
No governo petista, período em que o Pará foi governado por Ana Júlia Carepa, parecia que, finalmente, a verticalização mineral chegaria no Pará. O ano era 2010, o último do governo do PT, a Vale anunciava no dia 22 de junho que, oficialmente, as obras para a construção da Aços Laminados do Pará (Alpa), então localizada no Distrito Industrial de Marabá, seria iniciado. O plano era que a usina entraria em operação no final de 2013. A Alpa era um investimento 100% bancado pela Vale, que custaria 5,8 bilhões de reais e geraria 16.000 empregos na fase de implantação. Na operação, deveriam ser mais 5.300 empregos diretos e outros 16.000 indiretos. O projeto nunca saiu do papel. O Blog do Branco tratou da questão diversas vezes.
Ao fim de 2011, o então governador Simão Jatene anunciava a criação de uma taxa em valor de R$ 6 por tonelada sobre a exploração mineral no Pará. O projeto que instituía Taxa de Controle, Acompanhamento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerais (TFRM) chegou a ser encaminhado à Assembleia Legislativa com pedido de tramitação em regime de urgência. A urgência requerida à época pelo Executivo, tinha como objetivo aprovar a lei ainda naquele ano, para que a cobrança da taxa pudesse ser iniciada em no primeiro dia de 2012. Junto com a instituição da taxa, no mesmo projeto, o Governo do Estado propôs também a criação do Cadastro Estadual de Controle, Acompanhamento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerais (CFRM).
Vale o registro que, até 2011, o governo do Pará sequer sabia quantas empresas mineradoras atuavam no território paraense. Naquele ano, foi recriada a Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e Mineração (Seicom), com o objetivo de acompanhar a atividade mineradora e direcionar os resultados ao combate à pobreza e às desigualdades.
Sobre a instituição de uma nova legislação tributária no Pará, justiça seja feita ao ex-vice-governador Helenilson Pontes, professor Livre-Docente em Legislação Tributária pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), sendo hoje uma das maiores autoridades sobre o assunto no país e que foi um dos maiores teóricos para que esse novo marco jurídico da mineração tivesse se tornado realidade.
A mineradora Vale foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) contestar a Taxa Mineral, medida que já havia sido derrotada pelo governo estadual no âmbito do Tribunal de Justiça do Pará (TJE), o que voltou a acontecer na Suprema Corte. Naquele momento, as próprias mineradoras sinalizavam a necessidade de revisão as bases de remuneração. Em 2017, por exemplo, foram redefinidas as alíquotas da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), garantindo mais recursos aos entes federativos e, em especial, os municípios.
Pois bem, agora o governo do Pará – sob a gestão do emedebista Helder Barbalho – volta à carga contra a mineradora Vale. Na última terça-feira, 06, o mandatário estadual assinou um decreto que triplica as alíquotas relativas à extração de produtos como níquel, cobre e minério de ferro em solo paraense. Segundo levantamento do jornalista Val Mutran e que foi postado no Blog do Zé Dudu, a decisão do governo fará a Vale pagar R$ 2,2 bilhões por ano em tributos, bem acima dos atuais R$ 717 milhões. Segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), o decreto é inconstitucional.
Até o momento da postagem deste artigo, nem o governo do Pará e nem a mineradora Vale haviam se posicionado sobre a questão, que deverá – seguindo os casos anteriores – ser judicializada. O que se comenta é que há grande insatisfação de membros do primeiro escalão do governo com a mineradora. Tudo gira em torno da ausência clara e de pretensão por parte da Vale em verticalizar a produção mineral no Pará. O que pode ter dado “gatilho” na assinatura do decreto, obrigando a mineradora a pagar três vezes mais volume de tributos, foi, novamente o não cumprimento de acordos. Em 2019, a empresa assinou um protocolo de intenções para apoiar a estruturação financeira de uma laminadora de aço em Marabá em convênio com a China, mas o projeto não saiu do papel, a exemplo da Alpa, em 2011.
Para completar, há a possibilidade real de ser instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa (Alepa), que teria o objetivo de saber o quanto a Vale deve aos cofres do Pará. Ainda tem o debate sobre a Lei Kandir, que, no caso da mineradora em questão, a faz pagar por mês em ICMS um valor irrisório.