Decisão do STF pode fazer Samarco e Vale pagarem bilhões em tributos

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A União terminou a última quarta-feira, 08, com bilhões de reais a receber de empresas brasileiras. O motivo de todo esse dinheiro está em um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF). Os ministros permitiram a “quebra” de decisões judiciais definitivas — que autorizavam o não pagamento de tributos. Com esse resultado, a Receita Federal terá passe livre para cobrar valores daqui para frente e também o que, por força de decisão definitiva, deixou de ser pago pelos contribuintes no passado.

A Samarco, empresa de mineração, por exemplo, pode ter que pagar, sozinha, uma conta de R$ 6 bilhões. A Vale, outra que pode ser atingida por essa decisão, tem cerca de R$ 1 bilhão em discussão. Advogados dizem não ser possível ainda calcular o tamanho de toda essa conta porque as empresas que têm decisões definitivas a seu favor não costumam fazer provisão nem registrar em balanço o impacto “reverso”.

Ficou definido, na sessão plenária de ontem, que as decisões definitivas deixarão de ter efeito sempre que houver um julgamento posterior do STF em sentido contrário — em repercussão geral ou em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI, por exemplo). Significa que o contribuinte que discutiu a cobrança de um tributo e teve a ação encerrada a seu favor — autorizando a deixar de pagar — perderá esse direito se, tempos depois, a Corte julgar o tema e decidir que a cobrança é devida.

A decisão definitiva, portanto, deixa de ter efeitos e o contribuinte passa, da decisão do STF em diante, a ter que pagar o tributo. Essa sistemática muda o formato que se tem atualmente. Até ontem, 07, a “quebra” não ocorria de forma automática. O Fisco podia pleitear a reversão de decisões, mas por meio de um instrumento específico, a chamada ação rescisória — que tem prazo de até dois anos para ser utilizada e pode ou não ser aceita pelo Judiciário.

Os ministros ocuparam três sessões com esse tema. A conclusão pela “quebra”, ontem, foi unânime. Eles entendem que a manutenção das decisões individuais após os julgamentos vinculantes da Corte — que valem para todos os contribuintes — promove injustiça tributária, em afronta aos princípios da isonomia e da livre concorrência.

Houve divergência, no entanto, em relação aos desdobramentos da “quebra”. Um deles, o momento exato em que a decisão definitiva perderá a validade. Ficou definido, por maioria de votos, que terão de ser respeitados os princípios da anterioridade nonagesimal (90 dias após a decisão) e anual (ano seguinte à decisão). Esse prazo começa a ser contado a partir da decisão que for proferida pela Corte em cada um dos casos.

A outra opção, que não foi para frente, era para que a “quebra” ocorresse imediatamente após a decisão do STF. Três ministros se posicionaram dessa forma: Gilmar Mendes, Dias Toffoli e André Mendonça. Também por maioria de votos, os ministros decidiram não aplicar a chamada modulação de efeitos. Essa é uma das principais preocupações dos contribuintes nesse julgamento. É o que permite ao Fisco cobrar os tributos que não foram pagos pelos contribuintes no passado, com correção e multa.

Os casos em discussão, por exemplo, envolvem cobranças de CSLL. Com a modulação de efeitos, a Receita Federal poderia exigir o tributo somente daqui para frente. Sem a modulação, no entanto, as cobranças são possíveis desde o ano de 2007, a data em que o STF decidiu pela constitucionalidade do tributo.

Para quem nunca foi cobrado — desde que tem a decisão até os dias de hoje — a cobrança pode retroagir somente cinco anos. Ou seja, o Fisco só poderá exigir os valores que não foram pagos de 2018 para cá. Mas se o Fisco vem cobrando o contribuinte desde lá trás, a cobrança poderá ser validada desde lá.

A conta a ser paga pelas empresas, em razão disso, pode ficar muito pesada. A CSLL incide sobre o lucro — tem alíquota de 9%. O acumulado, desde lá de trás, acrescido de correção e multa, atinge valores altíssimos.

A Samarco, por exemplo, afirma em seu balanço que tem decisão definitiva, considerando inconstitucional a cobrança de CSLL, e, por esse motivo, não recolhe a contribuição. Informa, no entanto, que vem sendo autuada pela Receita Federal desde 2007.

Consta no balanço que as cobranças — que somam R$ 6 bilhões — estão sendo discutidas no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) ou se encontram suspensas por decisão judicial. A Samarco foi procurada pela reportagem e informou que não iria comentar.

Braskem e Grupo Pão de Açúcar também estão entre as empresas que obtiveram decisões definitivas da Justiça contra o pagamento de CSLL. Não há informações, no entanto, se passaram a recolher o tributo depois de 2007, nem se tem dinheiro a perder com a decisão tomada ontem pelos ministros do STF.

Existem outros casos antigos — com muito dinheiro envolvido — que também serão afetados. Advogados têm mapeados, pelo menos, quatro: dedução da CSLL do Imposto de Renda, IPI na revenda de mercadorias importadas, contribuição patronal sobre o terço de férias e a exigência de Cofins para as sociedades uniprofissional.

Aqui, nesse grupo, a Vale pode ser atingida. A companhia informa, em seu balanço, que tem decisão judicial definitiva desde 2004 permitindo deduzir do IRPJ os valores pagos a título de CSLL. Afirma, porém, que desde 2018 decidiu, por conta própria, não fazer mais essas deduções.

Mas a decisão do STF, proibindo essas deduções, é de 2013 e a empresa foi autuada. A Receita Federal cobra valores referentes aos anos de 2016 e 2017. Esse caso está em discussão no Carf. No balanço da companhia consta impacto de R$ 2,36 bilhões. Ao Valor, no entanto, a Vale informou que esse valor já foi reduzido na esfera administrativa para R$ 802 milhões . E ontem, após o julgamento, disse ser “necessário aguardar a publicação da decisão para avaliação precisa de impactos”.

A decisão de não modular os efeitos da decisão que permitiu a “quebra” de decisões judiciais definitivas se deu por um placar apertado: 6 a 5. O ministro Dias Toffoli, que havia votado contra a modulação na semana passada, mudou de posição ontem. Mas não foi suficiente.

Luiz Fux, que já havia votado na semana passada, pediu a palavra na sessão de ontem e falou por um longo tempo sobre as possíveis consequências da decisão. “Me impressiona que o STF, guardião da constituição, tenha relegado a um segundo plano a coisa julgada”, disse. “Temos que ter em mente as consequências jurídicas das nossas decisões, o abalo que se cria ao risco Brasil.”

Para advogados, a decisão do STF é “impactante” e traz “enorme insegurança jurídica”. “O ambiente de incerteza e os desdobramentos levarão anos para ser conhecidos”, diz Priscila Faricelli, do Demarest.

Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informa que “não há como calcular, a priori, o impacto econômico do julgamento” e que “não há surpresa quanto à obrigação de todos os contribuintes receberem o mesmo tratamento”.

Fonte: Portal STF.

Imagem: reprodução Internet. 

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