Drummond avisou. Itabira está indo. E Parauapebas?

“Chego à sacada e vejo a minha serra,

a serra de meu pai e meu avô,

de todos os Andrades que passaram

e passarão, a serra que não passa.

Era coisa de índios e a tomamos

para enfeitar e presidir a vida

neste vale soturno onde a riqueza

maior é a sua vista a contemplá-la.

De longe nos revela o perfil grave.

A cada volta de caminho aponta

uma forma de ser, em ferro, eterna,

e sopra eternidade na fluência.

Esta manhã acordo e não a encontro,

britada em bilhões de lascas,

deslizando em correia transportadora

entupindo 150 vagões,

no trem-monstro de 5 locomotivas

– trem maior do mundo, tomem nota –

foge minha serra vai,

deixando no meu corpo a paisagem

mísero pó de ferro, e este não passa”.

O poema acima chama-se “A montanha Pulverizada”, escrito em 1984, por Carlos Drummond de Andrade, e serve para retratar a proposta deste artigo. Boa leitura e reflexão.

A cidade de Itabira, na Região Central de Minas Gerais, corre contra o relógio para encontrar alternativas que diminuam o impacto do fim da exploração de minério de ferro pela mineradora Vale. De acordo com o relatório 20F, destinado ao mercado internacional e publicado pela empresa em 2017, a previsão é que as minas Conceição 1 e 2 cheguem à exaustão em dez anos.

A receita dos cofres da prefeitura em 2017 foi de R$ 250 milhões. Cerca de 55% deste dinheiro vem do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços (ICMS) e da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) pagos pela Vale. A previsão de exaustão em dez anos pode mudar de acordo com avanços da tecnologia e com a demanda do mercado internacional, segundo a Vale. Mas a mineradora afirma que o recurso tem limite.

“Isso vai acabar um dia? Espera-se que sim. Não é infinito. Hoje a gente trabalha com o horizonte de mina de dez anos, então nós vamos operar a jazida de Itabira por mais dez anos com a tecnologia atual, com as plantas atuais e posterior a isso a gente mantém as usinas trabalhando com a possibilidade de processar qualquer minério do quadrilátero ferrífero”, disse o gerente-executivo das minas de Itabira da Vale, Rodrigo Chaves.

A Vale tem hoje duas minas e três usinas de beneficiamento de minério de ferro. De acordo com a mineradora, há seis anos houve um investimento de cerca de R$ 5 bilhões para readequar as estruturas ao tipo de produto explorado. Segundo o relatório 20F, hoje as reservas de Itabira apresentam altos índices de minério de itabirito, considerado mais compacto e difícil de ser trabalhado.

O teor de ferro está entre 35% e 60%, mais pobre que a hematita, tipo de minério mais valorizado pelo mercado internacional e encontrado em maior quantidade nas minas da Vale em Carajás, no norte do país. Parte do minério explorado em Itabira é concentrada para atingir o teor de embarque como produto vendável e parte é enviada e misturada na Ásia com o minério de alto teor que é o do Pará.

Hoje, a exploração das minas de Itabira representa pouco mais de 9% da produção total da Vale. São cerca de 43 milhões de toneladas por ano. A mineradora informou que não pretende sair de Itabira, mas se prepara para mudar o seu negócio. A ideia é que as usinas sejam usadas para beneficiar o minério de todo quadrilátero ferrífero em Minas Gerais.

Com a expectativa do fim da extração, o desafio é diversificar a economia. Uma das apostas é o incentivo ao agronegócio, já que 94% do território de Itabira está na zona rural. “É uma riqueza que a gente tem de uma tradição agropecuária anterior à mineração”, contou o presidente da entidade. Já há incentivo para a produção de leite, de mel, de eucalipto e de banana.

Já a prefeitura ainda está pessimista do ponto de vista da arrecadação, o município ainda não encontrou uma saída para diminuir o impacto da possível queda da receita. “Não temos muito temor em relação ao desemprego porque a Vale vai continuar na cidade e pretende mudar seu modelo de negócio. Mas é um choque sim e é preocupante sob o ponto de vista da receita”, disse o prefeito.

Carlos Drummond de Andrade, itabirano ilustre, já havia criticado a dependência da mineração por parte da cidade, principalmente a exploração da Mina do Cauê, mesmo nome dado ao pico que desapareceu após anos de extração mineral. Ela se exauriu na década de 90 e a Vale ainda realiza trabalhos de recuperação vegetal na área.

Em seu poema “Montanha Pulverizada”, o poeta descreve seu sentimento quanto a exploração do pico: “Esta manhã acordo e não a encontro. Britada em bilhões de lascas deslizando em correia transportadora entupindo 150 vagões no trem-monstro de 5 locomotivas – o trem maior do mundo, tomem nota – foge minha serra, vai deixando no meu corpo e na paisagem mísero pó de ferro e este não passa”, disse ele em publicação de 1973.

Para Eugênio, que é sobrinho-neto do poeta, as pessoas da cidade temem pelo futuro dela, mas também têm expectativa do que é possível conquistar. “É como Drummond diz em ‘Confidência do Itabirano’, “o hábito de sofrer, que tanto me diverte, é doce herança itabirana’”, recitou o presidente da Acita.

O artigo acima retrata o caso mais emblemático da mineração no Brasil. A citada cidade mineira está caminhando para o encerramento de sua atividade mineraria e o seu futuro cercado de incertezas; pode perfeitamente ser relacionado (guardada as devidas proporções) a Parauapebas. Por aqui, segundo os últimos relatórios da mineradora Vale, ainda há minério a ser explorado – em média – por mais 25 anos, isso na Serra Norte. As Serras Leste e Sul ainda terão mais algumas décadas à frente, tendo como referência o atual ritmo de exploração e produção em relação ao volume reservado, o que nem deve ser considerado como base analítica, pois tornou-se algo progressivo.

Drummond avisou. Itabira é o maior exemplo. O alerta a Parauapebas já foi dado.

Fonte: G1 – Minas Gerais (Com adaptações do blog).

Henrique Branco

Formado em Geografia, com diversas pós-graduações. Cursando Jornalismo.

#veja mais

Em Carajás, Vale inicia operação de duas plantas auxiliares de britagem

Já estão em operação as duas plantas auxiliares de britagem na mina Serra Norte, da mineradora Vale, que fazem parte do complexo de Carajás, no

Projeto S11D: o mais novo capítulo da odisseia amazônica

A Vale informou publicamente que na última sexta-feira (09) obteve a Licença de Operação (LO) para a mina e usina do seu maior projeto mineral:

O vice de Helder. Parte II

De volta ao tema que promete ser a incógnita mais relevante do processo eleitoral em 2022, no Pará. Quem será o candidato a vice-governador na

Retomada gerencial

Nos últimos dias, a gestão do prefeito Darci Lermen (MDB) vem passando por algumas mudanças em seu secretariado. Na semana passada, conforme anunciado pelo Blog

Eleições 2024: Pesquisa Doxa aponta liderança de Chamonzinho com 53% dos votos válidos

Na disputa pela prefeitura de Marabá, no estado do Pará, Chamonzinho (MDB) desponta como o principal favorito, com 53,4% das intenções de votos válidos, de

O antipetismo continua sendo uma patologia social. Ele será o combustível que manterá vivo o Bolsonarismo

A primeira vez que tratei da questão do antipetismo como patologia social foi em 2015. Quando havia um amplo movimento midialístico e político que fomentou