Vamos mais devagar?!

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A imagem acima foi tirada por Felipe Borges. Um fotógrafo de grande competência que tive o prazer de conhecer e apreciar “in loco” o seu trabalho. A imagem representa bem a crônica que escrevi. Boa leitura… 

Ontem, poderia ter classificado o meu dia como péssimo ou um inferno astral. Aquelas datas que parecem que nada vai dar certo ou o famoso “acordei com o pé esquerdo”. A minha moto, uma Neo115 cc, Yamaha, bem antiga, de 2008, mais uma vez resolveu me deixar “na mão”. Em suas infindáveis idas às oficinas, ontem, foi mais uma vez. O carro escapa dessas situações por ser novo. Optei pela moto, o carro fica na garagem, quase todos os dias.

O que seria motivo para estresse, nervosismo, logo se tornou uma grande oportunidade, uma alternativa de vivenciar uma nova experiência. Como o serviço na moto levará dias, tive que deixá-la na autorizada (mesmo com todos esses anos de uso). Sem o serviço de transporte de volta, me restava pegar táxi, moto-táxi, van e até aquele momento o improvável: voltar a pé.

A distância entre a oficina autorizada e a minha residência deve girar em torno de 3 a 4 quilômetros, em meus cálculos imprecisos. Então, coloquei o capacete entre os braços e encarei o desafio. Por quê? Perguntar-se-ia quem lê esse texto. Na hora nem eu mesmo sabia o motivo do enfrentamento do sedentarismo. Mas nos primeiros passos, no calçadão da PA-275, a decisão começou a fazer sentido.

No início da caminhada comecei a utilizar os meus sentidos: visão, olfato, tato e audição foram acionados. Dispensei o paladar. Ao caminhar tudo que estava ao redor começou a ter outro sentido. Reparei no chão, nas dimensões dos quadrantes no solo, a cor, o balançar das folhas com as rajadas de ventos, o barulho vindo de todas as direções, a poluição se misturando ao ar, as pessoas, as construções, o relevo, o asfalto rachado, as valetas entupidas, o lixo, as mensagens, placas de venda, compra, oferecendo serviços de todas as ordens. Você sente os raios solares na epiderme, o suor escorrendo, o corpo perdendo líquido. Percebe também a indiferença das pessoas ao cruzar na rua, a velocidade frenética dos veículos e também certo isolamento, parece que você se mistura aos componentes imóveis da paisagem. A topografia da cidade, as linhas do relevo variando, um sobe e desce que acaba ficando despercebido pela cavalagem do motor de um veículo.

Tudo isso só foi possível graças a caminhada casual. Do carro, fechado, no ar condicionado, seguramente não seria possível tal sensação. E isso acontece todos os dias com muito de nós. E pior sem nos darmos conta. Estamos perdendo a sensibilidade das coisas, do cotidiano. Nos acostumamos diariamente a ficarmos restritos a uma redoma climatizada ou em alta velocidade com capacete.

A modernidade e aliada a ela à comodidade, torna o ser humano mais frio, menos sensível, mais individualista. Como lutar por melhorias em sua cidade se você não a sente, toca, não a pisa, tropeça? Como sentir a cidade se você não a vive devagar, aos poucos, de paisagem a paisagem?

O importante passa a ser a sua rua, seu trajeto diário. Tudo além disso não lhe pertence. Você passa por outros lugares esporadicamente. Como perceber as árvores que estão sendo derrubadas? Como perceber a deterioração da fina camada de asfalto? Estamos passamos pela vida e cada vez mais estamos perdendo os pequenos detalhes que a compõe. Tornam-se insignificantes perante ao volume de situações e coisas que temos que resolver, quase no “piloto automático”.

Precisamos andar, “esticar as pernas”. Desacelerar. A vida não se resume a ficar dependente de carro ou moto. Andar faz bem. É uma das melhores atividades físicas. Mais ande não só com as pernas. Ande também com o olfato, visão, tato, etc. Prove da experiência. Deixe o carro na garagem. Faça o trajeto até o trabalho a pé e verá a diferença a mudança de concepção sobre o nosso redor que de tão corriqueiro tornou-se distante, estranho. Em um mundo cada vez mais acelerado, vale a pena, pelo menos, de vez em quando, desacelerar.

 

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