Democracia agonizante

Quem poderia imaginar que a até então maior democracia do mundo, a que mantém os pilares constitucionais intactos desde a promulgação da Constituição, em 1787, ratificada uma única vez, no ano seguinte, pudesse viver atualmente sob a possibilidade real ruir a sua democracia.

No livro Como as Democracias Morrem, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt – dois conceituados professores de Harvard, respondem ao discutir o modo como a eleição de Donald Trump se tornou possível nos Estados Unidos, ampliando o debate sobre a perturbadora ameaça às democracias em todo o mundo. Democracias tradicionais entram em colapso? Essa é a indagação principal da citada obra.

Para começar, os Estados Unidos se orgulham de ter o regime democrático mais antigo do mundo, que iniciou com a sua independência, em 1776. Além disso, mantém a mesma Constituição (a título de comparação, o Brasil já está em sua sétima Carta Magna) desde a sua fundação enquanto país. No decorrer do tempo, criaram meios que tornaram-se filtros para que, por exemplo, nenhum aventureiro pudesse chegar à cadeira mais importante do mundo. Verdadeiramente, essas barreiras sempre funcionaram, até 2016.

Até 1972, a escolha dos candidatos entre os dois principais partidos políticos do país (Democrata e Republicano) era feita por um pequeno grupo (um de cada legenda) composto por figurões da política de ambos, que decidiam entre si que seriam o candidato de cada legenda. Após a data citada, instaurou-se o sistema de primárias (formato atual), em que qualquer cidadão filiado a qualquer um dos dois partidos pode ser pré-candidato. Isso, de certa forma tornou o processo mais democrático, porém mais solto. Instaurava-se ali uma “brecha” para que, alguém de fora dos grupos fechados pudesse chegar ao poder.

Foi assim, dessa forma, que Trump conseguiu, primeiramente, ser candidato pelo partido Republicano, mesmo sem a simpatia dos “caciques”, mas com apoio maciço dos eleitores, garantiu a sua indicação, ganhando no Colégio Eleitoral (perdeu no voto popular), tornando-se, portanto, presidente. Sobre esse episódio, Levitsky e Ziblatt afirmam que, quando Trump se elegeu mesmo contra tudo e todos, estava claro que deixava ali de existir os chamados “guardiões da democracia”.

A democracia americana começou a ruir, de fato, em novembro de 2016, quando se elegeu um presidente cuja sujeição às normas democráticas sempre foi dúbia. A vitória de Trump foi viabilizada não só pelo descontentamento do povo, mas pelo fracasso do partido Republicano em impedir que um demagogo extremista conquistasse a indicação para concorrer à Casa Branca, quebrando, portanto o elogiado sistema americano de freios e contrapesos que durava dois séculos. Resistiu à Guerra Civil, à Grande Depressão, à Guerra Fria… Mas não resistiu a Trump.

Em seu primeiro ano como presidente, o bilionário seguiu um roteiro semelhante a autoritários que chegaram ao poder. De partida, lançou ataques fortes aos adversários, atacou a mídia, questionou a legitimidade de juízes e ainda ameaçou cortar repasses federais para cidades de grande importância. Ou seja, estava escrito desde o início e até antes mesmo de assumir, o que pretendia fazer e agir como mandatário da nação mais rica e poderosa do planeta.

Até o início da pandemia de Covid-19, o republicano liderava com folga as pesquisas. Pelo simples motivo que a economia americana estava bem, com baixo índice de desemprego. Para o americano de forma geral, isso é o que importa, o resto é secundário. Todavia, a pandemia mudou tudo. O desastre como o governo Trump tratou a questão, fazendo com que os Estados Unidos liderassem o ranking de infectados e mortos, minou a sua reeleição. Joe Biden o venceu no voto popular e no Colégio Eleitoral, inclusive em estados de base republicana, como a Geórgia.

Ganhou mas não venceu (se é que me entendem). A invasão ao Capitólio, sede do Congresso Americano, no dia 06 de janeiro de 2021, foi o maior exemplo de como os Estados Unidos acompanha a queda de seu regime democrático. Tal ação de simpatizantes e apoiadores de Trump (com aval claro do ex-presidente) foi a culminância de quatro anos de postura negacionista e ataque às instituições promovido pelo presidente Donald Trump. Esse modus operandi do republicano foi alimentando gradativamente uma legião de pessoas que passaram a seguir suas ideias. Hoje, segundo especialistas, criou-se dentro do partido Republicano um ala extremista batizada de “Trumpismo”, que não segue as determinações da legenda, e está em franco processo de ampliação de seus adeptos.

Hoje a popularidade de Joe Biden é de 38%. A mais baixa registrada por um democrata desde a década de 1980. Metade do eleitorado o vê como um presidente ilegítimo. As eleições parlamentares que se aproximam podem fazer a situação de Biden piorarem, pois a tendência é que os Republicanos sejam maioria nas duas Casas (atualmente o Senado é de maioria Democrata), o que tornaria insustentável a governança do democrata. O “efeito Trump” segue mesmo com o ex-presidente fora de combate, mas que ao continuar a ser alimentado, poderá, quem sabe, fazê-lo concorrer novamente à Casa Branca, em 2024.

O que acontece lá está acontecendo aqui. A invasão do Capitólio foi um exemplo que no Brasil poderá ocorrer, caso o presidente Jair Bolsonaro (PL) não se reeleja. As democracias ao redor do mundo seguem sendo destruídas por dentro.

Imagem: CNN Brasil. 

#veja mais

Ventos favoráveis

O ex-juiz Sérgio Moro (Podemos), pré-candidato à Presidência da República, teve uma semana bem favorável para as suas pretensões políticas-eleitorais. Pesquisas apontam que o presidente

Desafio mortal

O mundo acompanha desde o último domingo, 18, o desfecho do caso que envolve um submersível que continua desaparecido nas águas do Atlântico Norte, quando

Fator Marinho. Parte II. Mais uma ruptura

Na semana passada, foi anunciado um fato que poderá trazer grandes rebatimentos ao processo eleitoral na disputa pelo governo do Pará. O senador Zequinha Marinho

Pará: o receio da próxima semana

Segundo dados divulgados do consórcio de veículos de imprensa a partir de informações das secretarias estaduais de Saúde, ontem, 29, chegamos a 2,5 milhões de

Putin se reelege com votação recorde e promete mais força militar

O presidente Vladimir Vladimirovitch Putin foi reeleito, neste domingo (17), com eleição recorde em comparecimentos na Rússia. Segundo dados do instituto estatal FOM, Putin teve

Prosap: a “Bala de Prata” do governo Darci Lermen

A expressão bala de prata foi adotada como uma metáfora para designar uma solução simples para um problema complexo com grande eficiência. A metáfora em