Estudo inédito do Instituto Justiça Fiscal (IJF), coordenado pelo Observatório da Mineração e a Justiça Nos Trilhos, revela que as mineradoras que atuam no Brasil podem deixar de pagar, em média, US$ 1,26 bilhão de dólares por ano em função da possível evasão fiscal envolvida na cadeia da exportação do minério de ferro. Na cotação atual, isso representa cerca de R$ 6 bilhões de reais por ano em impostos que deixam de ser recolhidos. O minério de ferro é o segundo produto mais exportado pelo Brasil, atrás somente da soja.
Os dados do IJF analisam o período de 2017 a 2020 e revelam uma saída de capitais associada ao subfaturamento de exportações de ferro de US$ 19,3 bilhões, o que corresponde a uma média anual de US$ 4,8 bi. Os dados foram atualizados em relação a um estudo publicado pelo IJF em 2017. O padrão se manteve e as práticas suspeitas de mineradoras são protegidas por sigilo fiscal e pela falta de transparência generalizada.
Em 2021, o Brasil exportou 358 milhões de toneladas de minério de ferro, 5% a mais que o mesmo período de 2020, segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), que representa as maiores mineradoras do país. Já o faturamento foi de R$ 250 bilhões, 80% a mais do que em 2020. O minério de ferro responde sozinho por 74% do faturamento do setor mineral.
A Vale é a principal produtora de minério de ferro do Brasil, com produção final em 2021 de 315 milhões de toneladas. Os estados do Pará e de Minas Gerais são os maiores produtores nacionais. Em 2021, o setor mineral brasileiro faturou R$ 339 bilhões no total, 62% de aumento em relação a 2020. Os pesquisadores do IJF destacam que mesmo leis aprovadas em 2012 (Lei 12.715) e em 2014 (12.973) não foram capazes de combater a prática de preços de transferência na exportação de commodities. Em tese, alegam, a nova legislação impediria que o eventual lucro auferido por subsidiárias estrangeiras, via preços de transferência, passasse sem ser tributado no Brasil.
As brechas utilizadas pelas mineradoras geram distorções significativas e facilitam a evasão de impostos. Os padrões de intermediação comercial encontrados anteriormente pelo IJF se repetem no período mais recente, o que contraria declarações oficiais das empresas. De acordo com dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), no período de 2017 a 2020, a Suíça respondeu por 89% das aquisições de minério de ferro exportado pelo Brasil, entretanto 65,8% dessas aquisições foram, na prática, destinadas à China.
Subfaturar exportações ou superfaturar importações reduz o lucro tributável, o IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica), a CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) e, no caso da mineração, a CFEM, valor pago a estados, municípios e União como compensação pela exploração mineral.
As empresas realizam isso por meio de subsidiárias em paraísos fiscais, que intermedeiam as transações, sem nunca importarem o minério de fato. Por meio de preços de transferência, uma empresa exporta a uma subsidiária de forma subfaturada, e essa subsidiária exporta ao destino real com o preço correto. As empresas também podem optar por endividar subsidiárias e conseguir deduzir tributos por pagamento de juros a empresas do mesmo grupo em outros lugares, explicam os pesquisadores.
De acordo com a legislação brasileira, a prática de preços de transferência requer, obrigatoriamente, o respectivo ajuste no lucro tributável. Como metodologia para o estudo, o IJF fez a estimativa das perdas tributárias associadas utilizando os preços de importação, no destino, do minério exportado, e a cotação internacional. Ambos os preços foram tomados como preços de referência e comparados com o preço de exportação praticado no Brasil.
Benefícios e isenções se acumulam. Amazônia é “paraíso fiscal”.
As mineradoras ainda contam com uma série de isenções e benefícios cruzados. É o caso da Lei Kandir, de 1996, que isenta produtos primários do pagamento de ICMS quando exportados. Além da Lei Kandir, as exportações também são isentas de PIS/PASEP e as importações de bens de capital empregados na mineração costumam ser beneficiadas por reduções de alíquotas do Imposto de Importação.
A distribuição de lucros e dividendos aos acionistas é isenta de imposto de renda desde 1995. Somente a Vale distribuiu mais de R$ 73 bilhões aos acionistas em 2021. Para empresas que atuam na Amazônia Legal, caso da Vale, existem ainda outras isenções, como renúncia fiscal de 75% do IRPJ para grandes empresas na região, redução de 25% do frete para importação de máquinas e insumos, e ainda, outros 7,5% podem deixar de ser pagos se forem utilizados para a compra de máquinas e equipamentos. O Brasil é o segundo maior exportador de minério de ferro do mundo, atrás da Austrália.
Vale e IBRAM negam possível evasão fiscal
A Vale, a Anglo American e a CSN Mineração, as três maiores produtoras de minério de ferro do Brasil e o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), organização que reúne as maiores mineradoras do Brasil e entidades de classe do setor, foram solicitados a se manifestar.
Com informações do Observatório da Mineração.
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