Quando me questionam por um tema que reúne em seu bojo aspectos políticos e religiosos não me sobrevêm a mente outro tema que não seja a Teologia da Libertação, esta realidade conceitual certamente traz consigo, de maneira bastante expressiva, ambos os elementos. Portanto, para tratar da questão político-religiosa tomo a liberdade de trazer para a discussão tão alta tese. Antes de mais nada, gostaria de esclarecer ao leitor como será constituída a composição do presente artigo, para fins de sua melhor compreensão: num primeiro momento irei apresentar os aspectos históricos em torno do tema abordado, em seguida apresentarei os aspectos conceituais que nos permitirão compreender do que se trata a Teologia da Libertação, por fim, trarei as distintas óticas pelas quais ela é vista dentro da Igreja, seguida de nossa conclusão. Vale ressaltar que não encontra-se em nossos objetivos a pretensão de exaurir o presente conteúdo, visto que, tal feito torna-se inviável frente as limitadas proporções de um artigo como o presente. No entanto, buscar-se-á compô-lo de forma que os principais elementos do assunto abordado sejam destacados com o objetivo de introduzir exitosamente o leitor no presente tema.
ASPECTOS HISTÓRICOS
A Teologia da Libertação teve sua origem na Rússia, foi criada por Nikita Khruschev na década de 1950 e lançada ao mundo num congresso internacional em 1968, onde se reuniram vários representantes religiosos do espectro marxista com o objetivo de absorver as ideias engendradas por Khruschev e colocá-las em prática nos meios religiosos. Ela foi pensada segundo os ideais da revolução cultural gramsciana com o objetivo de converter as religiões em um instrumento de ressonância dos ideais marxistas, abandonando as ideias iniciais de Karl Marx sobre a religião entendida por ele como o “ópio do povo”, para converte-la em um instrumento da máquina revolucionária. Somente em 1973 surgiu o primeiro livro de um padre latino-americano, sobre Teologia da Libertação, sob o título “A Theology of Liberation” escrito pelo Padre Gustavo Gutiérrez, um dos presentes na conferência de lançamento realizada por Nikita Khruschev. No Brasil o primeiro escrito sobre o tema só surgiu em 1974 por Frei Leonardo Boff com o título “Jesus Cristo Libertador”.
Um dos principais frutos da Teologia da Libertação no interior da Igreja foram as comunidades eclesiais de base que deram origem a diversos movimentos políticos como a Comissão Pastoral da Terra que viria a organizar o Movimentos dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e inclusive ao surgimento de partidos políticos como o Partido dos Trabalhadores (PT). Os movimentos acima descritos tiveram suas primeiras amostras geradas nas sacristias de Sua Eminência Dom Frei Paulo Evaristo Arns, um dos grandes promotores das comunidades eclesiais de base, extremamente voltado para a atividade pastoral e grande defensor dos direitos humanos. A Teologia da Libertação surgiu no Brasil em um período em que a esquerda encontrava-se em ascensão dentro do âmbito cultural, o que foi um terreno fértil para o seu desenvolvimento no interior da Igreja. Já nos dias atuais ela não encontra tamanha ressonância entre os fiéis, contudo, ainda hoje entre os membros do episcopado brasileiro existem muitos Bispos que se identificam com os seus ideais.
ASPECTOS CONCEITUAIS
A Teologia da Libertação é uma doutrina teológica que reúne catolicismo e ideologia marxista em um mesmo bojo. Isto é, ela realiza uma leitura marxista da doutrina católica tornando a religião um agente importante do movimento marxista no mundo, uma vez que, a Igreja Católica encontra-se presente em todo o globo. A Teologia da Libertação é constituída em dois níveis, o discursivo que reúne todo o corpo conceitual teórico e o apelativo que desempenha a função de organizador da militância e é exatamente nele que ela se reconhece.
A releitura da doutrina cristã ocorre dentro do nível discursivo atribuindo ao magistério católico uma nova compreensão, a saber: a ideia de que Cristo não seria dotado de uma missão exclusivamente espiritual, de salvação das almas, mas seria também um importante agente político na sociedade de sua época, essa assertiva desemboca em uma série de consequências doutrinais, dado que a Igreja é uma instituição fundada na pessoa de Cristo seria ela também, na ótica TL, um agente não exclusivamente espiritual mas também político, o que em tese modifica o entendimento inicial da missão da Igreja.
No que se refere à interpretação dos santos evangelhos atribui-se uma ótica materialista onde tenta-se compreender as ações de Cristo de acordo com a práxis marxista. A título demonstrativo trago como exemplo o evangelho da multiplicação dos pães (Mt 14:13-21, Mc 6:31-44, Lc 9:10-17 e Jo 6:5-15): um teólogo da libertação o compreende como uma partilha onde aqueles que possuem alguma riqueza, neste caso os pães, deve dividi-la com o próximo de forma que assim todos terão acesso aos bens. Esta leitura exclui a dimensão espiritual desta passagem, vendo-a não como um milagre sobrenatural, mas como um fenômeno exclusivamente humano. Neste caso interpretativo o teólogo da libertação transmite aos fiéis um dos princípios fundamentais da doutrina marxista, a saber, o princípio da distribuição de renda.
É importante frisar que nem sempre os sacerdotes que interpretam o evangelho desta maneira podem ser considerados teólogos da libertação, uma vez que, na maioria das vezes esta teologia é desempenhada pelos sacerdotes de maneira inconsciente, seja por um desconhecimento dos seus fundamentos teóricos ou pela absorção deste método interpretativo nos meios acadêmicos teológicos, visto que, hoje no Brasil existe dentro dos centros teológicos uma forte influência desta cultura tornando-se quase que impossível, aos sacerdotes como um todo, a não absorção destes ideais, o que resulta na formação de uma casta sacerdotal sobremaneiramente influenciada por estes valores o que os leva a interpretar os evangelhos segundo os moldes da teologia da libertação.
O nível prático da Teologia da Libertação desenvolve na Igreja o aspecto da Práxis Marxista, o que em última análise seria a dimensão mais importante desta cultura teológica, visto que, é ela a responsável por gerar os frutos revolucionários, convertendo os meios de ação da Igreja em instrumentos do movimento marxista. Como o tratado anteriormente no que se refere a formação das comunidades eclesiais de base e a constituição de partidos políticos como o Partido dos Trabalhadores (PT).
VISÕES ANTAGÔNICAS
Atualmente, no que se refere a Teologia da Libertação, a Igreja encontra-se dividida em dois grupos antagônicos, os setores mais conservadores preocupados com a manutenção da tradição doutrinária e magisterial da Igreja e as implicações diretas da Teologia da Libertação frente a esses valores, e os setores progressistas que acreditam que a Igreja necessita de mudanças que adéquem-na as exigência dos tempos modernos e que veem na Teologia da Libertação uma saída para estas transformações. Contudo, mesmo diante de tal divergência, ambos os setores concordam que a Igreja possui uma tarefa social, porém, a compreensão construída como solução para esta demanda é distinta nas duas correntes.
A ala conservadora entende que, embora a Igreja possua uma tarefa social esta não é um fim, mais um meio para um fim último que seria a salvação das almas através da prática da caridade cristã de amar a pessoa de Cristo nos pobres. Nesta ótica têm-se como centralidade a ideia de que, o bem que se faz ao pobre, é como que um ato de amor à pessoa de Cristo. Este é um valor que já existe na Igreja desde a sua concepção, e um fato que demonstra isso é que, em toda a sua vida pública, Jesus Cristo sempre andou em meio aos pobres amando-os e trazendo a eles a sua salvação. A história da Igreja está repleta de centenas santos da caridade, que dedicaram as suas vidas a amar a Cristo na pessoa dos pobres e marginalizados pela nossa sociedade, e à título de exemplo trago Santa Madre Tereza de Calcutá e a nossa querida brasileira Santa Dulce dos pobres. Para os conservadores, estas santas compreenderam o real sentido da responsabilidade social da Igreja. Elas não buscaram uma transformação da realidade social através da atividade política, mas buscaram amar a Jesus Cristo nos pequeninos pela vivência da altíssima virtude da caridade.
Já os setores progressistas compreendem a responsabilidade social da Igreja de acordo com os moldes propostos pela Teologia da Libertação, estabelecendo na sociedade o reinado social de Cristo, que traz consigo a proposta de uma nova organização social igualitária onde não haveria mais a existência de classes sociais ou hierarquias. Esta proposta diverge da concepção conservadora no que se refere ao seu fim último, que não seria especificamente a pessoa de Cristo, mais o estabelecimento de um novo modelo social onde os mais pobres e marginalizados não seriam excluídos, mais membros ativos da sociedade.
Na nossa história podemos destacar grandes defensores desta proposta, a saber o nosso querido Dom Élder Câmara, que dedicou a sua vida sacerdotal a lutar contra as desigualdades sociais agindo diretamente no ponto mais nevrálgico de toda esta discussão: os pobres e oprimidos. Entre as suas muitíssimas sábias palavras versam as seguintes: “quando dou comida aos pobres, eles me chamam de santo, mas, quando pergunto porque os pobres não possuem o que comer, eles me chamam de comunista”. Estas palavras resumem aquilo que foi o ministério de Dom Élder, um homem que se doou aos pobres denunciando as desigualdades e que por isto foi duramente criticado por aqueles que objetivavam a manutenção do sistema desigual.
Um outro grande nome da Teologia da Libertação na Igreja foi a Irmã Dorothy Stang lembrada por sua luta em favor da promoção de reformas agrárias, no intuito de garantir aos agricultores a oportunidade de adquirir terras para o seu trabalho. Entre as suas muitas palavras gostaria de lembrar as seguintes: “não vou fugir e nem abandonar a luta desses agricultores que estão desprotegidos no meio da floresta. Eles têm o sagrado direito a uma vida melhor numa terra onde possam viver e produzir com dignidade sem devastar”. A irmã Dorothy foi cruelmente assassinada alvejada por muito tiros, tendo morrido em defesa da causa dos agricultores em 2005.
Dito isto, entende-se que, sejamos conservadores ou progressistas, no que diz respeito a responsabilidade social da Igreja, todos somos chamados a atender esta necessidade tão urgente de amar a Jesus Cristo na pessoa dos pobres, seja pela vivência da caridade cristã como propõem os conservadores, ou pela atividade política denunciando as desigualdades sociais existentes no tecido social como sugerem os progressistas adeptos da Teologia da libertação. Sem dúvida as duas propostas de lidar com essa realidade tão presente em nossa sociedade possuem um ponto em comum, o amor, uma vez que, somente amando ao próximo seremos capazes de uma verdadeira doação pela causa dos pobres, que se concretiza através da vivência real e sincera da caridade cristã ou através da vivência política.
* Ronaldo Braga – Graduado em Filosofia, pelo Instituto de Estudos Superiores do Maranhão.